quinta-feira, 19 de maio de 2022

Engenharia nuclear: coordenadora de pós graduação da UFRJ abre evento hoje; fala sobre desafios profissionais, mercado de trabalho e futuro

 


Presidente da Comissão de Eventos de “Egressos do Programa de Engenharia Nuclear da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)”, que começa nesta quinta-feira (19/5), a professora Inayá Corrêa Barbosa Lima, conversou com o blog sobre a carreira, as dificuldades dos recém formados, desafios profissionais e muito mais. Bacharel em Física pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com mestrado e doutorado em Engenharia Nuclear, é também coordenadora do Programa de Pós Graduação em Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ e vice- chefe do departamento de Engenharia Nuclear da Escola Politécnica da UFRJ.  No mercado predominantemente masculino, admite que sofreu assédio, mas não se abateu. Eis a entrevista. 

BLOG: Há quando tempo leciona Engenharia Nuclear na UFRJ? 

INAYÁ: Sou docente concursada na UFRJ desde 2011, porém já lecionei na UERJ, na Politécnica de Nova Friburgo na Engenharia Mecânica que possui ênfase em Nuclear. Assim, leciono há quase 15 anos no setor nuclear.  

BLOG: Quando começou? 

INAYÁ: Assim que terminei a graduação de bacharel em física pela UFF em 1999. Fiz Mestrado e Doutorado em Engenharia Nuclear pelo PEN/COPPE/UFRJ. E depois pós-Doutorado na UERJ, no Instituto Politécnico de Nova Friburgo em Ciência e Tecnologia de Materiais. 

BLOG: Por que se interessou? 

INAYÁ: Em um primeiro momento eu me interessei na praticidade das aplicações que a engenharia nuclear pode trazer em benefício à sociedade. Como bacharel em física, eu não via perspectivas de trabalho prático, a não ser lecionar, pois não via perspectivas nem de pesquisa na Física Experimental da UFF. Quando terminei a graduação em Bacharel em Física queria aplicar o que aprendi. E essa possibilidade veio através da pós-graduação em Engenharia Nuclear. Hoje, com um pouquinho mais de experiência, além da pesquisa e ensino vem a extensão que nos aproxima da sociedade e assim, difundir cientificamente a desmistificação da área perante nossa comunidade. 

BLOG: Alguma influência? 


INAYÁ: Sim. Não posso deixar de mencionar os ombros dos gigantes Albert Einstein e Marie Curie. 

BLOG: Como avalia a sua participação no mercado da Engenharia Nuclear? 

INAYÁ: No Brasil, a Engenharia Nuclear se iniciou através da pós graduação na Era Vargas. Éramos basicamente físicos com mestrado e doutorado em engenharia nuclear. Em 2010, criamos, na escola politécnica da UFRJ, o primeiro curso de graduação. Considero que a participação no mercado de trabalho da engenharia nuclear é bastante ativa, nos três pilares: ensino, pesquisa e extensão. Além, claro, na parte administrativa. Ministro aulas tanto na graduação quanto na pós-graduação, tenho um grupo de pesquisas que consegue trazer resultados diretos para a sociedade, faz parte da equipe do Laboratório de Análises Ambientais e Simulação Computacional (LAASC). E faço bastante projeto de extensão para difundir nossa área perante a sociedade brasileira. Na parte administrativa atuei e atuo tanto na graduação quanto na pós e hoje me encontro no cargo de coordenadora do Programa de Engenharia Nuclear da COPPE/UFRJ, e também vice chefe do Departamento e de Comissões (Núcleo Docente Estruturante da Engenharia Nuclear e da Comissão de Projeto Final de Curso). 

BLOG: É um mercado predominantemente masculino, certo? Sofreu assédio? 

INAYÁ: Realmente é um mercado predominante masculino, mas esse perfil aos poucos tem modificado. Principalmente dependendo da área de concentração da Nuclear. Mas infelizmente não temos uma representatividade entre nossos pares, na Nuclear da UFRJ. Infelizmente não posso negar que existe preconceito e que sofri assédio no meio, entretanto não me abati e continuo na luta pela igualdade de oportunidades, em especial no setor de gestão. Por exemplo, hoje, no corpo docente da Engenharia Nuclear da UFRJ, dos 17 professores permanentes, somos apenas duas mulheres. Quando entrei em 1999, tínhamos apenas uma única professora na Nuclear. Em 2011 nos tornamos duas, porém pouco tempo depois a Profa. Virgínia Crispim se aposentou. Fiquei sendo a única docente mulher por bons anos, quando há três anos atrás nos tornamos novaste duas mulheres, com a incorporação de mais uma professora. 

BLOG: Se considera raridade? 

INAYÁ: No Brasil temos um uma Organização chamada WIN- Women in Nuclear – capítulo Brasil. Fazemos várias ações afirmativas no setor, o que enriquece a troca de conhecimentos. Não me sinto uma raridade, acho uma palavra muito forte. Mas sinto que faço parte do que podemos chamar de grupo de minorias dentro da área acadêmica nuclear. Mas mesmo assim procuro sempre atuar em prol do bem estar da comunidade, do fortalecimento do meu Programa de pós-graduação se tornando um centro de excelência e além de tudo estimulando os alunos e alunas em suas escolhas. O acolhimento e a escuta é base de qualquer gestão humanizada. 

BLOG: Como foi a sua trajetória profissional até chegar à UFRJ. 

INAYÁ? Não tem nada de especial na minha trajetória. Sempre tive em mente que só a educação me faria ser uma cidadã consciente. Estudei em escolas particulares até fazer a Faculdade de Física na UFF. Logo após o término, em 04 anos, procurei a engenharia para fazer mestrado e entre elas a nuclear e a biomédica. Optei pela nuclear, pois me encantei com o Programa que existia na minha época de um Curso Preparatório para o Mestrado, o CPM. Na graduação de física não tínhamos, na nossa grade de matérias, conhecimentos profundos acerca do setor nuclear. Fiz o CPM durante os meses de janeiro e fevereiro e obtive uma excelente colocação, podendo escolher a área de concentração e ser agraciada com bolsa de fomento do Governo Federal. 

BLOG: E depois? 

INAYÁ: A partir de então nunca mais deixei de pesquisar e aplicar os conhecimentos atômicos nucleares. Sempre quis fazer pós-doutorado, pois minha opção sempre foi entrar para Universidade como docente. Em 2006, quando terminei o doutorado na UFRJ, não podíamos aplicar para bolsa de pós-doutorado na mesma Instituição do doutorado. Então, através da FAPERJ, apliquei para a UERJ, no Instituto Politécnico de Nova Friburgo. 

BLOG: permaneceu na área? 

INAYÁ: Foi um tempo meio sombrio para os pesquisadores, uma vez que não tínhamos perspectivas sermos agraciados com bolsas de fomento.  Sendo assim, após o mestrado e doutorado, fui trabalhar no INMETRO, como pesquisadora, na divisão DIMAT, recém criada, em Xerém. Comecei fora na minha área, mas acabei me alocando na área de fluorescência de raios X, uma das técnicas que utilizamos no setor. Pouco tempo depois, saiu a bolsa de fomento da FAPERJ e fui fazer pós doc na UERJ/POLI-Nova Friburgo, lugar em que posteriormente tive o orgulho em assumir a vaga de docência. Entretanto, quando tive a oportunidade em voltar ao PEN/DNC o fiz sem pestanejar e assumi como professora adjunta em 2011. 

BLOG: O que acha do mercado profissional para quem está se formando em Engenheiro Nuclear? 

INAYÁ: Infelizmente, atualmente não temos políticas públicas para absorver nossos formandos em sua totalidade. E alguns alunos, ao terminarem suas graduações vão para o exterior, principalmente os primeiros engenheiros nucleares formados. Entretanto, temos algumas perspectivas de trabalho com a nova Autarquia Nuclear, uma cisão da CNEN e até mesmo nas forças armadas. Sem falar na carreira do magistério superior. Posso afirmar que 95% dos nossos egressos da pós-graduação estão empregados no setor nuclear. Precisamos ter em mente que temos uma graduação em Engenharia Nuclear muito jovem. A 1ª Engenheira Nuclear formada aconteceu em 2013, somente 03 anos após o início do curso. Isso porque ela já havia cursado parte da grade curricular em física pela Unicamp. Mas, se ordinariamente teríamos a 1ª turma apenas em 2015. Ou seja, um grupo de engenheiros nucleares completamente novo para o mercado de trabalho brasileiro que sempre absorveu mestres e doutores em engenharia nuclear e não, Graduados em Engenharia Nuclear. 

BLOG: Muitos alunos estão buscando oportunidades no exterior ... 

INAYÁ: Sim é verdade. Mas não é a maioria.  Se fizermos uma base de comparação com a Engenharia Civil no Brasil, por exemplo, uma das mais antigas, que teve iniciou em 1792, salvo engano, a nossa engenharia ainda está engatinhando. Temos acompanhado os nossos Egressos, tanto na graduação quanto na pós. Hoje, depois de 12 anos de início do curso de graduação, temos aproximadamente, 69 Engenheiros Nucleares formados no Brasil. Dentre esse quantitativo temos muitos no Brasil atuando nas Forças Armadas e tantos outros realizando doutorado em Engenharia Nuclear. Segundo o CREA, o Brasil tem atualmente quase 370 mil engenheiros civis. Essa base de comparação, seja na civil ou em outras engenharias tradicionais, é importante para falarmos de mercado de trabalho brasileiro para o Engenheiro Nuclear. Mesmo olhando as engenharias mais recentes, como a Acústica, 1ª turma foi 2014 na Universidade Federal de Santa Maria, tem-se um mercado de trabalho muito mais amplo que o nosso. O desejável seria que esses 69 Engenheiros Nucleares estivessem atuando no setor e em especial no Brasil. Mas, infelizmente, o que almejamos, não é a realidade brasileira nem para os nossos sequer para as outras profissões. 

BLOG: Qual a situação nos últimos anos? 

INAYÁ: Na pós-graduação, ano passado, fizemos um levantamento dos últimos 10 anos nossos Egressos e verificamos que mais de 95% estão empregados no setor. Hoje, inclusive (9/5) iniciamos o primeiro encontro presencial com duas mesas redondas (uma apenas de mulheres e outra de homens) de egressos advindos da graduação e também da pós graduação para evidenciar as oportunidades dentro do nosso país e também, por consequência, as parcerias que podem ser realizadas após o término do curso. 

BLOG: O que precisa melhorar no mercado para que essa mão de obra tão qualificada possa ser absorvida? 

INAYÁ: Políticas públicas de inserção do engenheiro nuclear e do pós graduado em engenharia nuclear no mercado de trabalho, como, por exemplo, a retomada das obras de construção da usina nuclear Angra 3. 

BLOG: O que mais? 

INAYÁ: Além disso, com as competências do Engenheiro Nuclear, muitas dessas competências eram da engenharia química, por exemplo, as empresas (setores públicos e ouriçados) precisam não só abrir concursos, mas também aumentar o número de vagas para que seja possível absorver nossa mão de obra tão bem qualificada. Hoje estamos muito dependentes desses concursos públicos, o que dificulta essa absorção, provocando evasão para o exterior. Mas vale ressaltar, que muitos que optam pelo exterior, vão direto para o doutorado e não diretamente para o mercado de trabalho. Ou seja, a pós-graduação continua a exercer um papel importante na formação do Engenheiro Nuclear. 

BLOG: o que acha da questão de um curso altamente qualificado para estudantes sem oportunidades?

INAYÁ: Não diria que é curso para estudantes sem oportunidades de emprego. Pelo contrário. Podemos atuar em diversos setores da sociedade. Porém é realmente um curso altamente qualificado, sem reconhecimento de base salarial adequada. Mas independente do que o engenheiro nuclear busca fazer após sua formação, não podemos deixar de falar que a pós-graduação continua a ser um diferencial na formação. Mais uma vez reforço que somos um curso novo com 12 anos de existência, porém com apenas 69 engenheiros nucleares formados. Se não tivesse campo para esse tipo de engenharia no Brasil, não teríamos a USP, por exemplo, com uma ênfase em Engenharia Nuclear, iniciada este ano. Lá, a partir de 2021, o aluno começou na graduação de Metalurgia e Materiais e três anos depois vai poder optar pela especialização em Nuclear, apoiada pelo IPEN/CNEN. Existe uma necessidade de renovação no setor Nuclear, justamente por ele ter se iniciado na pós-graduação, em especial nas áreas biomédicas, agrícolas, indústrias e, claro, nas instalações nucleares. 

BLOG: De qualquer forma, o Brasil estaria desperdiçando esse potencial de conhecimento? 

INAYÁ: Com toda certeza. O que mais temos é capital intelectual formado na UFRJ e em todo país no setor nuclear. Hoje, com a nossa graduação, muitos se formam ainda muito jovens. E uma característica dessa idade é a inquietude e a busca direta por um emprego para poderem colocar em prática tudo aquilo que aprenderam. Como em qualquer outro curso.  Entretanto, os concursos públicos, por exemplo, quando acontecem, ofertam poucas vagas para a graduação em Engenharia Nuclear. Mas nem por isso, os nossos 69 Engenheiros Nucleares estão sem mercado. Ou estão no Brasil ou estão no exterior, mas praticamente todos inseridos no setor, seja direto na indústria, nas forças armadas ou fazendo pós-graduação na área Nuclear. A cultura para mais vagas para o Engenheiro Nuclear ainda é embrionária, até mesmo no recente concurso da Eletrobras Eletronuclear Edital 01/2022 que alocou apenas uma única vaga para a graduação em engenharia nuclear, o que revoltou toda comunidade do setor. BLOG: Conte um pouco sobre a sua origem familiar. 

BLOG: Sou carioca, meus pais fizeram ciências contábeis. Meu pai tem formação acadêmica, porém tem empresa própria. Tenho dois primos mais novos que enveredaram para academia. Um, inclusive, fez engenharia química na UFRJ com mestrado e doutorado. O outro fez física/matemática. Posso dizer que tenho uma família da área exata. BLOG: Hoje, leciona hoje para quantos alunos? Já lecionou para muitos? 

INAYÁ: No início da carreira, como docente, lecionava para mais de 50 alunos nas matérias básicas comuns a todas as Engenharias da UFRJ. Hoje, depois de alguns anos, tenho lecionado mais no ciclo profissional, nas disciplinas que correspondem à minha área de concentração, que é física nuclear aplicada. Temos nesse caso, em torno de 6-10 alunos. Nas turmas de mestrado e de doutorado com um quantitativo de até 18 alunos, a depender do ano (varia muito). Entretanto, em especial em 2022, talvez devido ao afastamento que a pandemia do COVID-19 nos impôs, voltei ao ciclo básico, ministrando uma matéria básica para calouros, com turmas maiores. Mas como disse no início, no nosso Programa e Departamento, temos acompanhado os nossos Egressos e, inclusive hoje, muitos colaboram conosco em pesquisas, orientações conjuntas, consultorias etc. 

BLOG: O que teria a dizer para o mercado nuclear brasileiro? E para quem tem interesse em estudar Engenharia Nuclear? 

INAYÁ: Além do “venha”, digo que a nuclear abre os horizontes de uma tal forma que nunca sequer podemos imaginar antes de entrar nesse mundo. Existem diversos campos desde tecnologia de reatores até aplicações biomédicas, agricultura perpassando por Fatores Humanos, física e análise de segurança nuclear. Portanto, quem tem interesse, venha para o setor. Mas prepare-se para estudar pois com certeza para sair “canudo” na mão terá que estudar. Mas com certeza será um profissional de excelência numa Universidade de excelência, como é a UFRJ. 

FOTO: ARQUIVO PESSOAL – 

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