terça-feira, 3 de março de 2020

Reator nuclear para salvar vidas não saiu do papel



  Continua emperrado, em São Paulo, o projeto de construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), que tem motivado empolgados discursos políticos pela autossuficiência nacional na produção de radioisótopos e fontes radioativas, aplicados no diagnóstico e tratamento de doenças como o câncer. Os radioisótopos possibilitam que os médicos vejam o funcionamento de órgãos e tecidos vivos por meio de imagens como as tomografias, radiografias e cintilografias.

A falta de decisão de governos para destravar a construção do RMB levará o país este ano a gastar mais de R$ 60 milhões (de acordo com a alta do dólar), importando radioisótopos da África do Sul, Rússia, Holanda e principalmente da Argentina. 

O Brasil importa cerca de 4% da produção mundial anual do radioisótopo molibdênio-99. O decaimento radioativo do molibdênio-99 produz o radioisótopo tecnécio-99m, utilizado nos radiofármacos (substância química) mais empregados na medicina nuclear. 

Para se ter ideia da necessidade do RMB, cerca de dois milhões de procedimentos médicos são realizados, por ano, utilizando radioisótopos, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em 440 clinicas cadastradas para realizar o trabalho semanalmente. Cerca de 440 mil pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o restante pela rede privada. 

O apelo social do projeto é que a partir do funcionamento do RMB, haveria um aumento significativo da utilização do serviço pelo SUS. As informações são do engenheiro civil, mestre em engenharia nuclear e doutor em tecnologia nuclear, José Augusto Perrotta, coordenador do RMB, tecnologista sênior da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), responsável pelo empreendimento. 

A construção do RMB foi orçada em US$ 500 milhões, quando idealizada em 2009. Até hoje foram aplicados apenas R$ 230 milhões. Para a sua entrada em funcionamento, teriam que ser aplicados, em média, cerca de US$ 100 milhões, ao longo de cinco anos. 

PROMESSAS - 

Em cerimônia disputada em 2018, o projeto do RMB teve até lançamento de pedra fundamental, com a presença do presidente   Michel Temer; ministros da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação, da Saúde, entre outras autoridades. Não faltaram promessas e frases de efeito:

 “A área da saúde se fortalecerá muito. Hoje somos obrigados a importar radioisótopos para combater várias doenças, principalmente o câncer. O tratamento hoje fica mais complicado e mais caro, porque depende de fornecedores estrangeiros. Com o reator, isso vai mudar. Vamos produzir este material para o Sistema Único de Saúde, tornando os preços mais acessíveis”, prometeu Temer. “Ter tecnologia própria é ter independência”, declarou Ferreira. Tudo ficou na base da promessa. 

CRISE MUNDIAL - 

O projeto do RMB ganhou força em 2009, a partir da crise mundial provocada pela paralisação do reator canadense National Research Universal (NRU), que atendia na época a cerca de 30% da demanda mundial de molibdênio-99. “O problema gerou o primeiro desabastecimento internacional do medicamento, algo sem precedentes”, comentou Perrotta. 

Quatro reatores de pesquisa estão em funcionamento no Brasil. Somente o reator EIA-R1, instalado no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), produz radioisótopos. O EIA-R1 funciona há 63 anos, e espera-se que tenha mais 10 anos de vida. Contudo, ele não tem capacidade de produzir radioisótopos em escala necessária. 

Por isso, o IPEN, através da CNEN, importa todo o molibdênio-99 utilizado na produção de radiofármacos.  Segundo Perrotta, a CNEN gasta US$ 15 milhões por ano com essa importação, que gera um faturamento de R$ 120 milhões, ano, recursos que vão direto para o caixa do governo.

Sem o EIA-R1, o país ficará ainda mais dependente, alerta Perrotta, em seus mais de 40 anos de experiência no setor nuclear no Brasil e exterior. 

MAQUETE DE PANFLETOS - 

Em janeiro deste ano, a CNEN participou de reunião com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, em Brasília. O RMB esteve na pauta. Avanços do projeto foram relacionados, como o desenvolvimento do combustível nuclear (CECON) do IPEN, com urânio enriquecido a 20% no Laboratório de Enriquecimento Isotópico (LEI) do Centro Tecnológico da Marinha. 

Na reunião, eles também destacaram os avanços dos projetos de engenharia que envolvem o RMB, que terá 30 Megawatts (MW) de potência. “O projeto detalhado do reator do RMB e das instalações associadas tiveram prosseguimento com a execução a cargo da empresa argentina INVAP e da brasileira Amazul”, informa o site da CNEN. 

Lá, consta que a vontade técnica permanece em alta: “Quase 6 mil documentos de engenharia já foram emitidos e analisados, estimando-se um total de 8 mil documentos” a passarem mesmo crivo, “o que corresponde a um esforço de trabalho de mais de um milhão de homens/hora de engenharia”. 

O RMB também foi o tema principal de Grupo de Trabalho 4 (Expansão da Medicina Nuclear) do Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, coordenado pelo gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Na reunião, porém, Perrotta voltou a bater na tecla sobre a falta de verbas. 

Afinal, enquanto o governo não liberar verbas, RMB continuará como maquete das ilustrações da CNEN, numa área de dois milhões de metros quadrados em Iperó, a 130 quilômetros de São Paulo, junto ao Centro Experimental de Aramar, da Marinha, onde está sendo desenvolvido o protótipo do submarino nuclear.  

“Alguns estádios para as olimpíadas custaram mais do que o valor do RMB”, comentou Perrotta. Lembrou que a Argentina iniciou projeto semelhante no mesmo tempo que o Brasil. Mas o projeto argentino já está com 70% das obras prontas. “Acreditamos que podemos recuperar o tempo perdido”, acredita.

4 comentários:

  1. Tania Malheiros absurdo total da incompetência e falta de cuidado com a população como um todo. Estou cada vez mais indignada com os desastres que assolam o país causados por políticos sem nenhum escrúpulo, cujo único objetivo são suas mordomias e benesses dos cargos. HORRROR HORROR HORROR

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  2. Os fatos respaldam a sua indignação. bj

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  3. Parabéns pela divulgação deste tema tão importante para a nossa sociedade. Importante do ponto de vista técnico, para continuarmos avançando nas pesquisas; importante economicamente, pois proporcionará grande economia de recursos; e principalmente, como política social, pois o RMB proporcionará o acesso, por parte da população atendida pelo SUS, a exames e tratamentos que hoje só estão disponíveis aos mais favorecidos.
    Acredito que levar informação à sociedade é levar poder de decisão sobre o que ela quer que seja feito com os recursos públicos.

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  4. E uma falta de vergonha o que acontece com nosso país,cada vez mais a área da saúde e prejudicada, não podemos mais fica sem solução,o nosso Brasil tem que ser forte.

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