A
estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) não aproveitou os resultados de uma
pesquisa no valor de R$ 10,8 milhões, do Fundo Tecnológico do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES Funtec), visando tratar águas
contaminadas por metais pesados, em consequência de mineração de urânio, em sua
unidade em Caldas (MG), que serviu de “cobaia” para o experimento. O projeto piloto da empresa privada Brasil
Ozônio teve os recursos liberados em 2013. Teria tido êxito quando foi
encerrado há dois anos. Até hoje, contudo, a INB se vê às voltas com problemas
crônicos de contaminação radioativa para o meio ambiente, enfrentando ações judiciais
aplicadas pelos Ministério Público Federal e Estadual.
A unidade de Caldas,
próxima ao município de Poços de Caldas, foi a primeira no Brasil, a operar
oficialmente, com mineração de urânio, em 1982, segundo a INB. Mas bem antes o
local já servia de depósito para rejeitos radioativos procedentes da Usina de
Santo Amaro (USAM), em São Paulo. Em 1995, a INB encerrou as atividades em Caldas, considerando
a operação economicamente inviável. Somente em 2005, foi iniciada a
descontaminação de suas instalações e terrenos. O plano para reduzir o problema
em Caldas com recursos do BNDES começou no ano seguinte.
BENEFÍCIOS AMBIENTAIS E
ECONÔMICOS -
Apesar de ter sido encerrada a extração de minério, a unidade
deixou um grande passivo ambiental: “45 milhões de toneladas de rejeitos - amontoados
de terra, pedra, argila e metais pesados, como urânio e manganês – e água contaminada
acumulada nas cavas da mina. Pela rota tecnológica tradicional, seriam
necessários cerca de 700 anos para a descontaminação total do terreno”,
informou o BNDES na época. De acordo com o Banco, tudo começou em 2006, quando foi
elaborado um plano para reduzir esse prazo para 20 anos, com um custo estimado
de R$ 400 milhões, “em razão da baixa eficiência da solução tecnológica”
prevista naquela época.
O projeto que o Banco apoiava, portanto, destinava-se à descontaminação dos solos e da água por meio da injeção de gás ozônio. Caso a alternativa se mostrasse viável – o
que teria acontecido em águas – traria “benefícios ambientais e econômicos a todo o
setor de mineração”.
Pelo sistema de tratamento proposto pela Brasil Ozônio
para as instalações em Caldas, a água contaminada receberia uma injeção de
ozônio para oxidação dos metais pesados, que seriam retirados para posterior
reaproveitamento. “A água segue para um tanque, onde é adicionada (...) para
decantação dos metais remanescentes”.
Se dependesse do negócio, possivelmente
os problemas de Caldas estariam todos resolvidos: “Para as montanhas de rejeitos,
a solução proposta não encontra paralelo. A ideia é injetar diretamente o gás
nas montanhas de resíduos para eliminar a bactéria Thiobacillus ferrooxidasn,
catalisadora de reações que produzem ácido sulfúrico”, informou o Banco, na
época da realização do negócio.
PROJETO PILOTO -
O projeto piloto foi
estruturado para ser executado em 24 meses e destinava R$ 1 milhão para 12
bolsas, pagas a pesquisadores das instituições de ciência e tecnologia que
participaram. Também seriam adquiridos equipamentos e contratados profissionais
e serviços de consultoria.
Os recursos do BNDES Funtec
destinaram-se à Fundação Parque de Alta Tecnologia da Região de Iperó e
Adjacências (Fundação Pátria), em São Paulo. Segundo o diretor executivo da
Fundação, João Luis Marins, o trabalho passou por auditorias do BNDES em maio
de 2014, fevereiro de 2015 e fevereiro de 2016. Segundo ele, a Fundação Pátria
devolveu ao BNDES, R$ 89.215,92, no dia 9 de setembro de 2016.
O BNDES informou
ao BLOG, que cumpriu o seu papel no projeto piloto. “O objetivo do Funtec é
desenvolver a tecnologia em estágio de laboratório para que seus resultados
sejam aplicados no mercado. Esse projeto se mostrou viável técnica e economicamente.
Toda a prestação de contas foi correta”.
Até o fechamento da matéria, nesta
manhã (13/03/2020), a INB não respondeu às perguntas solicitadas há quatro
dias: por que não aproveitou os resultados do
projeto; qual a quantidade de rejeitos que ainda armazena em Caldas; e qual o
valor do investimento previsto para 2020 para a descontaminação da unidade. O projeto teve como
Instituição Tecnológica a Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc),
região que enfrenta problemas com a mineração de carvão. A Unesc não respondeu
a BLOG.
SOBREVIVENDO À RECESSÃO -
O empresário Samy Menasce, fundador presidente
da Brasil Ozônio Indústria e Comércio de Equipamentos e Sistemas Ltda, em São
Paulo, há onze anos, disse desconhecer as
razões pelas quais a INB não aplicou os resultados do projeto piloto em Caldas. A empresa
funciona no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia, dentro da
Universidade de São Paulo (USP). Samy Menasce concedeu esta entrevista ao BLOG.
BLOG: Fale um
pouco sobre as atividades da Brasil Ozônio.
MENASCE: A empresa
pesquisa, desenvolve, projeta, fabrica, instala e oferece manutenção de
soluções para tratamento, sanitização, esterilização e oxidação a partir do
ozônio. A nossa tecnologia é 100% limpa, altamente versátil podendo ser
aplicada no tratamento de poços artesianos, água servida, água de chuva, água
de processo, efluentes, gases tóxicos, na oxidação de metais pesados e na
sanitização de alimentos e de ambientes, na agricultura, na pecuária
e em processos de esterilização de materiais cirúrgicos. Após mais de onze anos
de história, a Brasil Ozônio já tem mais de três mil instalações de sistemas de
ozônio no Brasil, Argentina e Peru.
BLOG: A Brasil Ozônio teve contrapartida de
R$ 1,2 milhão, em pagamento de realização do projeto, instalações,
equipamentos, pesquisas em campo, a profissionais, viagens. O que mais? Como
foi a participação da Brasil Ozônio?
MENASCE:
Toda a concepção do projeto para o tratamento da água foi da Brasil Ozônio, a
partir de sua experiência no tratamento de águas contaminadas com metais
pesados , principalmente Ferro e Manganês , ou seja , dimensionamento dos
equipamentos, instalações, operação, “start up”, treinamento da equipe da INB
para a operação do dia a dia . No decorrer da operação, em função dos
resultados obtidos, “up grade” dos sistemas de geração e transferência de ozônio,
a partir de pesquisas e desenvolvimentos, até se alcançar a solução técnica e
economicamente viável. Tudo desenvolvido e aplicado na prática com equipe
técnica de engenharia.
BLOG: A empresa teria concluído o projeto piloto
com êxito, conseguindo tratar 15 mil litros de águas contaminadas com metais pesados,
entre eles, o manganês. A pesquisa
provou de fato que a solução para o problema é a utilização do ozônio?
MENASCE:
O resultado do projeto comprovou a alta
eficiência da Tecnologia Brasil Ozônio de Geração e Transferência de ozônio no
tratamento de água contaminada com Manganês e Ferro, descontaminando a mesma
através da oxidação desses metais.
BLOG: Como assim?
MENASCE: Pela aplicação de
ozônio em alta concentração, convertendo um enorme problema ambiental em uma
possibilidade de negócio. Além de garantir o atendimento à legislação da
qualidade dessa água para ser descartada novamente na natureza. O processo gera
a recuperação desses metais, através filtragem. Os metais se tornam matérias
primas para a fabricação de aço, portanto são passíveis de venda.
BLOG: Por
que a INB não comprou o projeto para aplicar em Caldas e acabar com o problema?
MENASCE: Esta pergunta infelizmente não
sei responder. Nosso objetivo era comprovar o uso de uma nova tecnologia como
solução, o que foi amplamente alcançado. A partir da comprovação, foi elaborado
um projeto a quatro mãos: Brasil Ozônio, Rede Resíduo, UNESC (Universidade
Estadual de Criciúma) e INB para o tratamento da necessidade total de 300 mil
litros por hora, incluindo não só o Ozônio, mas outros processos referentes à
retenção de urânio, de conhecimento da INB.
BLOG: Quanto custaria? Qual
foi a receptividade?
MENASCE: Cerca de
R$ 25 milhões. Houve a participação direta de engenheiros da INB no decorrer de
todo o desenvolvimento do projeto e sua solução, assim como no projeto final,
os quais com certeza o levaram ao conhecimento da diretoria.
BLOG: O
BNDES investiu no projeto que teve êxito, como o senhor afirma, mas que, em
nada resultou de concreto para a INB, que até hoje vive o dilema de evitar
desastre ambiental. A INB responde até a processo junto ao Ministério Público
Federal por contaminação do meio ambiente. Como define essa falta de interesse
da INB?
MENASCE: Não sei se pode ser
classificado como falta de interesse, pois uma equipe de funcionários
especializados teve participação efetiva e absolutamente interessada do início
ao fim do processo.
BLOG: O que a Brasil Ozônio ganhou investindo nesse
projeto? O que representa em termos de sustentabilidade?
MENASCE: A Tecnologia Brasil Ozonio é 100% limpa,
por utilizar o ar ambiente como matéria prima, tendo como resíduo final o “Oxigênio”
e baixo consumo de energia. Isso, além de ser totalmente voltada à sustentabilidade
ambiental e social, tratando água, alimentos, nas indústrias, desenvolvendo agora
também novas tecnologias para o Agronegócio. O projeto promoveu um enorme “up grade” na
concepção de nossa tecnologia, com o desenvolvimento de equipamentos. Nos permitiu
passar a tratar volumes até 10 vezes maiores de água, gases, alimentos, por
exemplo.
BLOG: Onde o projeto está sendo aplicado?
MENASCE: Desde o ano passado estamos sendo
procurados por algumas mineradoras para projetos de pesquisa em conjunto. Posso
afirmar que o “know how” e desenvolvimento adquirido no projeto da INB nos
permitiu sobreviver à recessão dos últimos anos.
BLOG: O senhor disse que, em função dos resultados,
a Brasil Ozônio criou um projeto mais amplo, para tratar 300 mil litros por
hora, de água contaminada com manganês, que seria na medida para a INB. O que
aconteceu com esse projeto?
MENASCE: O
projeto foi encaminhado pela INB à FINEP e pelo que consta aprovado, com
responsabilidade de aporte à INB.
BLOG: O senhor também disse que o
projeto foi entregue entre 2017 e 2018. Se aplicado, custaria cerca de R$ 25
milhões e resolveria o problema da água contaminada em Caldas...
MENASCE: A Brasil Ozônio teria participação
de consultoria, se o projeto fosse aprovado, pois os sistemas de ozônio
necessários para o tratamento de 300.000 lt/h estão aquém de nossas
possibilidades. A INB teria que contratar uma multinacional. Teria que haver um
projeto conjunto.
BLOG: Como assim?
MENASCE: A Brasil Ozônio produz sistemas de
até 1 kg/h de produção, enquanto multinacionais, de até 50 kg/h. Portanto, seria preciso dezenas de quilos de ozônio
por hora para o tratamento dos 300 mil litros por hora. A execução do projeto piloto
contou com os equipamentos da Brasil Ozônio e um sistema importado. O projeto
conjunto objetivou justamente a avaliação de tecnologias e previsão correta dos
dimensionamentos finais de equipamentos necessários.
BLOG: Por que a
UNESC participou?
MENASCE: A linha FUNTEC-BNDES
de fomento tem como formato a participação de uma Fundação reconhecida pelo
BNDES, uma UNIVERSIDADE e uma empresa PRIVADA. A escolha da UNESC se deu pelo
fato de a Universidade estar sediada em Criciúma (SC), cidade que em outros
tempos foi uma das maiores em quantidade de minas de carvão, hoje com um enorme
passivo ambiental, contaminando rios e lagos com água contaminada com o metal
Ferro, portanto possibilitando a execução do projeto em paralelo. Foi o que
realmente aconteceu. Com a instalação de Sistema de Ozônio de nossa empresa também
em Criciúma, numa mina desativada de carvão com geração continua de água
contaminada, que foi tratada com os mesmos resultados de sucesso.
BLOG:
O senhor disse que a INB não tem tecnologia para a descontaminação da água
contendo metais pesados, principalmente o manganês, depois da eliminação do
urânio. E a descontaminação do solo e das montanhas com rochas? O seu projeto é
só para águas?
MENASCE: Exato. No
projeto também aconteceram testes e pesquisas com aplicação de ozônio no solo.
No entanto, os resultados obtidos, mesmo interessantes, não indicaram
viabilidade de execução, devido principalmente, à extensão das áreas e não
definição de como aplicar o ozônio diferentemente da água. A UNESC, na verdade,
continua pesquisando formatos, a partir de instalação de equipamentos de ozônio
em uma área para tal.
BLOG: O senhor lembrou que o manganês é matéria
prima para a indústria do aço, siderurgia. No caso, extraindo o manganês das
águas, seria um processo de sustentabilidade. Pode explicar melhor?
MENASCE:
O manganês existente nas águas está diluído, ou seja, sem possibilidade
de ser extraído neste estado. O ozônio, pelo seu poder de oxidação, oxida o manganês,
lhe dando mais peso e mais volume, o que possibilita a sua filtragem e,
consequentemente, e sua recuperação. Isso torna este processo um exemplo de
sustentabilidade, com a descontaminação da água e devolução da mesma à natureza
e reuso do metal manganês como matéria prima.
BLOG: A tecnologia da
Brasil Ozônio para descontaminação é nacional? Nenhum país domina essa
tecnologia?
MENASCE: Outros países
dominam a tecnologia do ozônio, mas nenhuma outra empresa possui a diversidade
de aplicações que a Brasil Ozônio já desenvolveu e tem em instalações.
FOTO: Um dos galpões do projeto piloto permanece em Caldas.
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