sexta-feira, 13 de março de 2020

BNDES investiu R$ 10,8 milhões em projeto piloto sobre descontaminação de águas em mina de urânio da INB, em Caldas (MG). E depois?


A estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) não aproveitou os resultados de uma pesquisa no valor de R$ 10,8 milhões, do Fundo Tecnológico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES Funtec), visando tratar águas contaminadas por metais pesados, em consequência de mineração de urânio, em sua unidade em Caldas (MG), que serviu de “cobaia” para o experimento.  O projeto piloto da empresa privada Brasil Ozônio teve os recursos liberados em 2013. Teria tido êxito quando foi encerrado há dois anos. Até hoje, contudo, a INB se vê às voltas com problemas crônicos de contaminação radioativa para o meio ambiente, enfrentando ações judiciais aplicadas pelos Ministério Público Federal e Estadual. 

A unidade de Caldas, próxima ao município de Poços de Caldas, foi a primeira no Brasil, a operar oficialmente, com mineração de urânio, em 1982, segundo a INB. Mas bem antes o local já servia de depósito para rejeitos radioativos procedentes da Usina de Santo Amaro (USAM), em São Paulo. Em 1995, a INB encerrou as atividades em Caldas, considerando a operação economicamente inviável. Somente em 2005, foi iniciada a descontaminação de suas instalações e terrenos. O plano para reduzir o problema em Caldas com recursos do BNDES começou no ano seguinte. 

BENEFÍCIOS AMBIENTAIS E ECONÔMICOS - 

Apesar de ter sido encerrada a extração de minério, a unidade deixou um grande passivo ambiental: “45 milhões de toneladas de rejeitos - amontoados de terra, pedra, argila e metais pesados, como urânio e manganês – e água contaminada acumulada nas cavas da mina. Pela rota tecnológica tradicional, seriam necessários cerca de 700 anos para a descontaminação total do terreno”, informou o BNDES na época. De acordo com o Banco, tudo começou em 2006, quando foi elaborado um plano para reduzir esse prazo para 20 anos, com um custo estimado de R$ 400 milhões, “em razão da baixa eficiência da solução tecnológica” prevista naquela época. 

O projeto que o Banco apoiava, portanto, destinava-se à descontaminação dos solos e da água por meio da injeção de gás ozônio.  Caso a alternativa se mostrasse viável – o que teria acontecido em águas – traria “benefícios ambientais e econômicos a todo o setor de mineração”. 

Pelo sistema de tratamento proposto pela Brasil Ozônio para as instalações em Caldas, a água contaminada receberia uma injeção de ozônio para oxidação dos metais pesados, que seriam retirados para posterior reaproveitamento. “A água segue para um tanque, onde é adicionada (...) para decantação dos metais remanescentes”. 

Se dependesse do negócio, possivelmente os problemas de Caldas estariam todos resolvidos: “Para as montanhas de rejeitos, a solução proposta não encontra paralelo. A ideia é injetar diretamente o gás nas montanhas de resíduos para eliminar a bactéria Thiobacillus ferrooxidasn, catalisadora de reações que produzem ácido sulfúrico”, informou o Banco, na época da realização do negócio. 

PROJETO PILOTO - 

O projeto piloto foi estruturado para ser executado em 24 meses e destinava R$ 1 milhão para 12 bolsas, pagas a pesquisadores das instituições de ciência e tecnologia que participaram. Também seriam adquiridos equipamentos e contratados profissionais e serviços de consultoria. 

Os recursos do BNDES Funtec destinaram-se à Fundação Parque de Alta Tecnologia da Região de Iperó e Adjacências (Fundação Pátria), em São Paulo. Segundo o diretor executivo da Fundação, João Luis Marins, o trabalho passou por auditorias do BNDES em maio de 2014, fevereiro de 2015 e fevereiro de 2016. Segundo ele, a Fundação Pátria devolveu ao BNDES, R$ 89.215,92, no dia 9 de setembro de 2016. 

O BNDES informou ao BLOG, que cumpriu o seu papel no projeto piloto. “O objetivo do Funtec é desenvolver a tecnologia em estágio de laboratório para que seus resultados sejam aplicados no mercado. Esse projeto se mostrou viável técnica e economicamente. Toda a prestação de contas foi correta”. 

Até o fechamento da matéria, nesta manhã (13/03/2020), a INB não respondeu às perguntas solicitadas há quatro dias:  por que não aproveitou os resultados do projeto; qual a quantidade de rejeitos que ainda armazena em Caldas; e qual o valor do investimento previsto para 2020 para a descontaminação da unidade. O projeto teve como Instituição Tecnológica a Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), região que enfrenta problemas com a mineração de carvão. A Unesc não respondeu a BLOG. 

SOBREVIVENDO À RECESSÃO -

O empresário Samy Menasce, fundador presidente da Brasil Ozônio Indústria e Comércio de Equipamentos e Sistemas Ltda, em São Paulo, há onze anos, disse desconhecer as razões pelas quais a INB não aplicou os resultados do projeto piloto em Caldas. A empresa funciona no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia, dentro da Universidade de São Paulo (USP). Samy Menasce concedeu esta entrevista ao BLOG. 

BLOG: Fale um pouco sobre as atividades da Brasil Ozônio. 

MENASCE: A empresa pesquisa, desenvolve, projeta, fabrica, instala e oferece manutenção de soluções para tratamento, sanitização, esterilização e oxidação a partir do ozônio. A nossa tecnologia é 100% limpa, altamente versátil podendo ser aplicada no tratamento de poços artesianos, água servida, água de chuva, água de processo, efluentes, gases tóxicos, na oxidação de metais pesados e na sanitização de alimentos e de ambientes, na agricultura, na pecuária e em processos de esterilização de materiais cirúrgicos. Após mais de onze anos de história, a Brasil Ozônio já tem mais de três mil instalações de sistemas de ozônio no Brasil, Argentina e Peru. 

BLOG: A Brasil Ozônio teve contrapartida de R$ 1,2 milhão, em pagamento de realização do projeto, instalações, equipamentos, pesquisas em campo, a profissionais, viagens. O que mais? Como foi a participação da Brasil Ozônio? 

MENASCE: Toda a concepção do projeto para o tratamento da água foi da Brasil Ozônio, a partir de sua experiência no tratamento de águas contaminadas com metais pesados , principalmente Ferro e Manganês , ou seja , dimensionamento dos equipamentos, instalações, operação, “start up”, treinamento da equipe da INB para a operação do dia a dia . No decorrer da operação, em função dos resultados obtidos, “up grade” dos sistemas de geração e transferência de ozônio, a partir de pesquisas e desenvolvimentos, até se alcançar a solução técnica e economicamente viável. Tudo desenvolvido e aplicado na prática com equipe técnica de engenharia. 

BLOG: A empresa teria concluído o projeto piloto com êxito, conseguindo tratar 15 mil litros de águas contaminadas com metais pesados, entre eles, o manganês.  A pesquisa provou de fato que a solução para o problema é a utilização do ozônio? 

MENASCE: O resultado do projeto comprovou a alta eficiência da Tecnologia Brasil Ozônio de Geração e Transferência de ozônio no tratamento de água contaminada com Manganês e Ferro, descontaminando a mesma através da oxidação desses metais.

BLOG: Como assim? 

MENASCE: Pela aplicação de ozônio em alta concentração, convertendo um enorme problema ambiental em uma possibilidade de negócio. Além de garantir o atendimento à legislação da qualidade dessa água para ser descartada novamente na natureza. O processo gera a recuperação desses metais, através filtragem. Os metais se tornam matérias primas para a fabricação de aço, portanto são passíveis de venda. 

BLOG: Por que a INB não comprou o projeto para aplicar em Caldas e acabar com o problema? 

MENASCE: Esta pergunta infelizmente não sei responder. Nosso objetivo era comprovar o uso de uma nova tecnologia como solução, o que foi amplamente alcançado. A partir da comprovação, foi elaborado um projeto a quatro mãos: Brasil Ozônio, Rede Resíduo, UNESC (Universidade Estadual de Criciúma) e INB para o tratamento da necessidade total de 300 mil litros por hora, incluindo não só o Ozônio, mas outros processos referentes à retenção de urânio, de conhecimento da INB. 

BLOG: Quanto custaria? Qual foi a receptividade? 

MENASCE: Cerca de R$ 25 milhões. Houve a participação direta de engenheiros da INB no decorrer de todo o desenvolvimento do projeto e sua solução, assim como no projeto final, os quais com certeza o levaram ao conhecimento da diretoria. 

BLOG: O BNDES investiu no projeto que teve êxito, como o senhor afirma, mas que, em nada resultou de concreto para a INB, que até hoje vive o dilema de evitar desastre ambiental. A INB responde até a processo junto ao Ministério Público Federal por contaminação do meio ambiente. Como define essa falta de interesse da INB? 

MENASCE: Não sei se pode ser classificado como falta de interesse, pois uma equipe de funcionários especializados teve participação efetiva e absolutamente interessada do início ao fim do processo. 

BLOG: O que a Brasil Ozônio ganhou investindo nesse projeto? O que representa em termos de sustentabilidade? 

MENASCE: A Tecnologia Brasil Ozonio é 100% limpa, por utilizar o ar ambiente como matéria prima, tendo como resíduo final o “Oxigênio” e baixo consumo de energia. Isso, além de ser totalmente voltada à sustentabilidade ambiental e social, tratando água, alimentos, nas indústrias, desenvolvendo agora também novas tecnologias para o Agronegócio.  O projeto promoveu um enorme “up grade” na concepção de nossa tecnologia, com o desenvolvimento de equipamentos. Nos permitiu passar a tratar volumes até 10 vezes maiores de água, gases, alimentos, por exemplo. 

BLOG: Onde o projeto está sendo aplicado? 

MENASCE: Desde o ano passado estamos sendo procurados por algumas mineradoras para projetos de pesquisa em conjunto. Posso afirmar que o “know how” e desenvolvimento adquirido no projeto da INB nos permitiu sobreviver à recessão dos últimos anos. 

BLOG:  O senhor disse que, em função dos resultados, a Brasil Ozônio criou um projeto mais amplo, para tratar 300 mil litros por hora, de água contaminada com manganês, que seria na medida para a INB. O que aconteceu com esse projeto? 

MENASCE: O projeto foi encaminhado pela INB à FINEP e pelo que consta aprovado, com responsabilidade de aporte à INB. 

BLOG: O senhor também disse que o projeto foi entregue entre 2017 e 2018. Se aplicado, custaria cerca de R$ 25 milhões e resolveria o problema da água contaminada em Caldas...

MENASCE: A Brasil Ozônio teria participação de consultoria, se o projeto fosse aprovado, pois os sistemas de ozônio necessários para o tratamento de 300.000 lt/h estão aquém de nossas possibilidades. A INB teria que contratar uma multinacional. Teria que haver um projeto conjunto. 

BLOG: Como assim? 

MENASCE: A Brasil Ozônio produz sistemas de até 1 kg/h de produção, enquanto multinacionais, de até 50 kg/h.  Portanto, seria preciso dezenas de quilos de ozônio por hora para o tratamento dos 300 mil litros por hora. A execução do projeto piloto contou com os equipamentos da Brasil Ozônio e um sistema importado. O projeto conjunto objetivou justamente a avaliação de tecnologias e previsão correta dos dimensionamentos finais de equipamentos necessários. 

BLOG: Por que a UNESC participou? 

MENASCE: A linha FUNTEC-BNDES de fomento tem como formato a participação de uma Fundação reconhecida pelo BNDES, uma UNIVERSIDADE e uma empresa PRIVADA. A escolha da UNESC se deu pelo fato de a Universidade estar sediada em Criciúma (SC), cidade que em outros tempos foi uma das maiores em quantidade de minas de carvão, hoje com um enorme passivo ambiental, contaminando rios e lagos com água contaminada com o metal Ferro, portanto possibilitando a execução do projeto em paralelo. Foi o que realmente aconteceu. Com a instalação de Sistema de Ozônio de nossa empresa também em Criciúma, numa mina desativada de carvão com geração continua de água contaminada, que foi tratada com os mesmos resultados de sucesso. 

BLOG: O senhor disse que a INB não tem tecnologia para a descontaminação da água contendo metais pesados, principalmente o manganês, depois da eliminação do urânio. E a descontaminação do solo e das montanhas com rochas? O seu projeto é só para águas? 

MENASCE: Exato. No projeto também aconteceram testes e pesquisas com aplicação de ozônio no solo. No entanto, os resultados obtidos, mesmo interessantes, não indicaram viabilidade de execução, devido principalmente, à extensão das áreas e não definição de como aplicar o ozônio diferentemente da água. A UNESC, na verdade, continua pesquisando formatos, a partir de instalação de equipamentos de ozônio em uma área para tal. 

BLOG: O senhor lembrou que o manganês é matéria prima para a indústria do aço, siderurgia. No caso, extraindo o manganês das águas, seria um processo de sustentabilidade. Pode explicar melhor? 

MENASCE:  O manganês existente nas águas está diluído, ou seja, sem possibilidade de ser extraído neste estado. O ozônio, pelo seu poder de oxidação, oxida o manganês, lhe dando mais peso e mais volume, o que possibilita a sua filtragem e, consequentemente, e sua recuperação. Isso torna este processo um exemplo de sustentabilidade, com a descontaminação da água e devolução da mesma à natureza e reuso do metal manganês como matéria prima. 

BLOG: A tecnologia da Brasil Ozônio para descontaminação é nacional? Nenhum país domina essa tecnologia? 

MENASCE: Outros países dominam a tecnologia do ozônio, mas nenhuma outra empresa possui a diversidade de aplicações que a Brasil Ozônio já desenvolveu e tem em instalações. 

FOTO: Um dos galpões do projeto piloto permanece em Caldas. 

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