No Brasil, segundo a Agência Internacional
de Energia (AIE), os consumidores já pagam a terceira maior tarifa de energia
elétrica do planeta: o dobro da média mundial. Muitas explicações e
justificativas têm sido dadas para chegarmos a atingir tais patamares,
principalmente pelas distribuidoras, pelo governo, e por aqueles que mais se
locupletam com este verdadeiro atentado ao bolso do povo brasileiro. Me
refiro aos lobistas, especialistas, escritórios de consultoria, por exemplo.
As
atuais tarifas comprometem desde o crescimento da produção, a geração de
mais empregos e renda, o aumento do consumo e, consequentemente, maior
arrecadação com impostos em geral, que beneficiariam toda a sociedade. Daí ser
uma questão, cuja discussão e solução extrapolam simplesmente a opinião dos
“experts”. É a sociedade que tem que ser ouvida.
Os chamados “especialistas”
insistem em apontar: os impostos, subsídios, cobrança de outorgas em licitações,
não autorização e demora de liberações para hidrelétricas, entre outros pontos
que impactam nas tarifas para o consumidor. Todavia tais posições devem ser
refutadas, pois geralmente defendem seus próprios interesses e de seus
“patrões”. Agem como lobistas, contra o interesse nacional. Não vão ao ponto
central da questão.
Nos últimos tempos foram acrescidos novos argumentos,
e medidas foram implementadas para impulsionar as tarifas astronômicas que
provocam uma extraordinária transferência de renda no país.
Menos chuvas e
consequentemente menos água nos reservatórios das hidroelétricas foi a
motivação da criação das bandeiras tarifárias. Mecanismo usado para arrecadar
e aumentar mais ainda o caixa das distribuidoras, onerando os consumidores.
A energia solar está sendo usada como
bode expiatório para as altas tarifas. Alegam que os subsídios dados a geração
fotovoltaica é injusto, pois contribui para a elevação das tarifas para a
maioria dos consumidores. A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, que
funciona como um “puxadinho” da Associação Brasileira de Distribuidores de
Energia Elétrica-ABRADEE, propôs taxar o Sol. Mas o cinismo dos lobistas,
transvestidos de especialistas não para por aí.
Os defensores das usinas
nucleares no país, os mesmos que sempre boicotaram as fontes renováveis solar e
eólica, dizem agora que além da geração fotovoltaica contribuir para o aumento
das tarifas, a oferta de energia elétrica pelas novas usinas nucleares ajudará
a reduzir as tarifas. Mesmo o MWh da nucleoeletricidade custando hoje R$
480,00, o que corresponde 4 a 6 vezes mais caro comparada aos preços finais por
fonte que ocorreu no leilão A6 (outubro/2019). Neste leilão a hidroeletricidade
alcançou R$ 157,08/MWh, a energia eólica R$ 98,89/MWh, e a solar R$ 84,39/MWh.
Ao
focar o cerne da questão das altas tarifas no país, este preço atual
inaceitável decorreu de uma política de mudança no setor elétrico, iniciada em
1995, cujo pilar foi, segundo os idealizadores, a criação de um mercado
competitivo no setor, facilitado pela privatização das empresas de geração e
distribuição.
Os conhecidos defensores do processo de privatização, se
confundem com os mesmos que querem taxar o Sol, instalar novas usinas
nucleares, instalar mais e mais termoelétricas a combustíveis fosseis, em nome
da diversificação da matriz elétrica e da segurança energética. Escondem da
população seus reais interesses, que não tem nada a ver com uma política
energética sustentável e de interesse nacional.
Propagavam aos “quatro cantos”
que com a privatização das empresas estatais haveria redução das tarifas e
melhoria dos serviços prestados à população. E que os Estados assim poderiam
investir mais e mais nas áreas sociais, como educação e saúde, deixando para o
capital privado a tarefa de ampliar e melhorar o setor. Quem não se lembra
deste discurso?
Na realidade o que se constata é inversamente o contrário,
altas tarifas e serviços de baixa qualidade. São as distribuidoras privatizadas
de energia elétrica as maiores beneficiadas com esta situação reinante. Basta
acompanhar nos balancetes e nas demonstrações financeiras apresentados pelas
empresas, para verificar seus lucros exorbitantes, inaceitáveis.
Mas por que as
distribuidoras ganham tanto dinheiro, cobrando tarifas que fogem a realidade
econômica do país? A resposta está nos contratos draconianos de privatização
(conhecidos também como contratos de concessão). Tais contratos conhecidos como
“juridicamente perfeitos” garantem que não haja a diminuição de lucros destas
empresas.
A noção de equilíbrio econômico-financeiro, introduzida nos
contratos, funcionam como mecanismo de proteção ao capital (estrangeiro)
investido no setor elétrico, garantindo que tais investimentos sejam sempre
remunerados. Criando assim, no setor elétrico, o “capitalismo sem risco”.
Na
prática os aumentos nas tarifas das concessionárias, concedidos pela ANEEL, estão
previstos
na lei 8.631, de 4 de março de 1993, previstos nos contratos de concessão ou privatizacão. Assim é o consumidor que sempre paga, via aumento das tarifas,
subsidiando a saúde financeira das empresas, e seus ganhos estratosféricos.
Que
não reste dúvidas. Foi a “maracutaia” do famigerado equilíbrio
econômico-financeiro, introduzida sob encomenda nos contratos de privatização,
é quem garante que estas empresas sempre ganhem (muito) às custas do
consumidor. Revisão já dos contratos de privatização das distribuidoras de
energia elétrica.
(Artigo de Heitor Scalambrini Costa, professor aposentado da
Universidade Federal de Pernambuco, graduado em Física na UNICAMP, com mestrado
em Ciências e Tecnologias Nucleares na UFPE, e doutorado na Universidade de
Marselha/Comissariado de Energia Atômica-França).