quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Primeira mina de urânio é "herança maldita": barragem pode se romper


Saída da barragem de rejeitos com infiltração
A primeira mina de urânio do Brasil, em Caldas, no Sul de Minas Gerais, é “herança maldita” para população, meio ambiente e governo. Rejeitos radioativos em águas e no solo, risco de rompimento de barragem, equipamentos sucateados, são alguns dos graves problemas que se arrastam há décadas. 

A mina de Caldas operou oficialmente a partir de 1980, extraindo urânio e beneficiando o minério, denominado de “yellow cake”. Sem demanda para o produto, foi considerada inviável economicamente. Suas atividades de produção foram encerradas em 1995. O processo de descontaminação vem sendo realizado até hoje. É imenso o legado de medo, preocupações, dinheiro público atirado no ralo, sem retorno, aliados a denúncias de toda ordem. 
Vale lembrar que, além da produção de rejeitos gerados no local, Caldas passou a importá-los da Usina de Santo Amaro (Usam), da Nuclemon, em São Paulo, desativada na década de 90. Durante anos, funcionários da Usam pegavam a estrada com caminhões abarrotados de Torta II (produto resultante do beneficiamento de monazita), trabalho feito naquela unidade paulista, descarregados em Caldas.  Uma parte da Torta II permanece em um galpão com acesso restrito, batizado de “Carrefour”. 

APAGÃO NO FIM DO TÚNEL - A estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), do Ministério de Minas e Energia, responsável pela instalação, não dá conta às diversas e sucessivas exigências visando à segurança da instalação. São alertas e denúncias de ambientalistas, somados às determinações da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), do Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal (MPF). 

Apesar de tantas determinações do Poder Público, ainda não há um Plano de Ação de Emergência da Barragem da Mineração efetivamente implementado. Além da falta de uma “luz no fim do túnel” para equacionar a questão, Caldas possui uma barragem de rejeitos radioativos, correndo o risco de se romper. Foi construída na década de 80 pela Andrade Gutierrez, a partir de projeto desenvolvido pela empresa Victor F. B. De Mello & Associados S/C Ltda. 

Estima-se que, no caso do rompimento da barragem de rejeitos, a população imediatamente afetada seria de cerca de 20 mil pessoas, em Caldas; outras cerca de 30 mil, em Andradas; e cerca de 160 mil em Poços de Caldas.  

SEM RECURSOS: FAZER O QUÊ?  - As estações de tratamento de efluentes são as mesmas do início da operação da mina. Foram projetadas para tratar 280 metros cúbicos por hora de águas de chuva acumuladas nos pátios de britagem e na mina, mas os rejeitos foram depositados em cima das fontes de água limpa, contaminando a água com metais pesados. Hoje tratam 400 metros cúbicos por hora. 

As ações mais recentes foram tomadas neste mês de novembro pelo Ministério Público Federal (MPF), em Pouso Alegre (MG), em reunião com a direção da INB.  O MPF exigiu a adoção de medidas emergenciais de fiscalização e segurança da barragem de rejeitos.  Participaram os procuradores da República, Gabriela Saraiva e Lucas Gualtieri. Foi firmado o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a INB.  

O MPF quer solução para estruturas que ficaram na cava da mina, contendo lama com resíduos radioativos, uma fábrica de beneficiamento de minério desativada e a própria barragem de rejeitos, onde estão armazenados dois milhões de metros cúbicos de rejeitos residuais de urânio, tório e rádio. 

A própria INB comunicou ao MPF a ocorrência, em setembro de 2018, de um evento “não usual” que consistiu no carreamento de sedimentos por meio do sistema extravasor da barragem. Peritos, concluíram que o sistema está seriamente comprometido, por conta de infiltrações que podem levar a processos de ruptura hidráulica. 

Relatório da própria INB estima que a recuperação de toda a área deve custar cerca de US$ 500 milhões, mais de R$ 1,5 bilhão em 40 anos. Com as torneiras de recursos fechadas, a empresa admite que terá que criar um modelo de financiamento, porque não tem orçamento para isso. 

Alguns números mostram que em se tratando de prejuízos, a instalação contabiliza danos incalculáveis aos cofres públicos. O acordo com o MPF, por exemplo, prevê que o descumprimento por parte da INB de quaisquer das obrigações assumidas acarretará o pagamento de multa de R$ 500 mil por item descumprido e multa diária de R$ 20 mil enquanto persistir o descumprimento. 

Para se ter ideia do tamanho do problema, a área ocupa um espaço equivalente a cem Maracanãs. Alguns técnicos chamam de "herança maldita". Atualmente, cerca de 100 pessoas trabalham no local.
TAC na íntegra: http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/tac-inb.pdf 

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