terça-feira, 12 de novembro de 2019

"Arrogância" dificulta comunicação na área nuclear", diz Abel Gonzalez, em workshop sobre Chernobyl


“A arrogância” que norteia setores da área nuclear contribui para dificultar que a informação sobre fatos relevantes esteja ao alcance da população como deveria. A opinião é de Abel Julio Gonzalez, da Autoridade Regulatória Nuclear de Argentina (ARN), líder do projeto das organizações internacionais competentes das Nações Unidas (UN) sobre Chernobyl. Gonzalez fez esta e outras críticas ao falar para cerca de 100 técnicos de empresas nucleares, no Workshop “Chernobyl – olhar o passado como lição para o futuro”, realizado nesta segunda-feira (11/11), no auditório de Furnas, em Botafogo.

A explosão de um dos quatro reatores de Chernobyl, na Ucrânia, ex-União Soviética, ocorreu no dia 26 de abril de 1986. Desde então, Abel Gonzalez participou das reuniões para avaliação da tragédia. Disse que somente dois anos depois foram fechados os primeiros relatórios sobre o acidente. A arrogância, a que se referiu, pode ser constatada até mesmo em um vídeo que simula os diálogos entre a equipe que operava a sala de controle de Chernobyl, no dia do acidente. Um superior dá ordens ao operador do reator, quando eles entram em discussão, sem humildade. 

Abel Gonzalez tem na bagagem experiência de sobra sobre a tragédia. Ele foi diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), vice-presidente da International Comission on Radiological Protection (ICRP) e representante da United Nations Scientific Committee on the Effects of Atomic Radiation (UNSCEAR). “Há também inadequação linguística quando se usa termos técnicos que não comunicam”. O dirigente prosseguiu com as críticas lembrado que entre o fim da conclusão do primeiro relatório sobre o acidente, em 1987, até hoje, há uma grande lacuna e nada foi feito para o esclarecimento da população. 

“Uma verdade não completa pode induzir a uma mentira”, comentou.  Segundo ele, em 1989 membros de várias entidades pressionaram a delegação soviética a enviar informações. Somente em 1990 mais de 100 pessoas participaram de um relatório concluindo que foram centenas de milhares de vítimas: casos de depressão, interrupção indesejada de gravidez, por exemplo. 

O especialista também relembrou, segundo ele, “mentiras divulgadas sobre a tragédia”, como um número de um milhão de mortos, mulheres contaminadas que teriam defeitos físicos como várias mamas, e todo o tipo de informação errada, fruto da incapacidade de gerenciar o primeiro grande acidente nuclear no mundo, com consequências danosas que alcançaram diversos países.

Ele mostrou gráficos sobre sete mil crianças, que consumiram leite contaminado com iodo-131: resultado meninos e meninas com câncer de tireoide. A ocultação e o mutismo sobre a informação provocaram tragédias como essas em torno do acidente, que poderiam ter sido evitadas. “O que não pode se repetir jamais. Num acidente, não se pode consumir esse tipo de leite em hipótese alguma”. 

A tragédia não foi ainda maior porque temia-se uma guerra nuclear com os Estados Unidos e os hospitais estavam bem equipados, observou Abel González. 

CULTURA DA SEGURANÇA. 

O Presidente da Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães, disse que Chernobyl foi o “pior caso de marketing da história” na indústria nuclear. Ele acha que deve haver uma cultura de segurança em todas as unidades nucleares, nas quais o operador da sala de controle deve ser ouvido e, em caso de qualquer anormalidade, o que deve prevalecer é o “exercício da humildade”. 

A Eletronuclear, Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN), Sociedade Brasileira de Proteção Radiológica (SBPR) e Furnas organizam o workshop "Chernobyl - olhar o passado como lição para o futuro". O evento teve outras palestras técnicas sobre níveis de radiação; remediação ambiental, eletricidade nuclear, proteção radiológica, entre outros.

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