sexta-feira, 24 de maio de 2024

Mina de urânio no Nordeste: CNEN aprova local do projeto, cercado de alertas sobre casos de câncer

 


A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) aprovou nesta sexta-feira (24/5) o local do projeto conjunto de mineração na jazida de urânio de Itataia, em Santa Quitéria, a 210 KM de Fortaleza (CE). Para desenvolver o projeto a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), detentora dos direitos minerários da jazida, mantém parceria com a empresa privada Galvani - Fosnor Fertilizantes Fosfatados do Norte-Nordeste SA. A autorização para construção e operação da mina, terá que passar pelo crivo do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos recursos Naturais Renováveis (Ibama). 


O projeto Santa Quitéria vem sendo questionado por ter percorrido décadas deixando suspeitos rastros de casos de câncer na população. No site, da Galvani, consta a foto de um homem de chapéu sorrindo e a frase: “construir o futuro com segurança e responsabilidade social”. Em benefícios para a população: “Serão investidos mais de 2 bilhões de reais para a construção do complexo mineroindustrial. A massa salarial, considerando apenas os cerca de 500 empregos diretos, será de 100 milhões de reais por ano e aquecerá a economia regional”. 

Representantes da Fiocruz Ceará, por meio da Coordenação de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (CAAPS), da área de Saúde e Ambiente e do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), registraram relatos sobre doenças como câncer e outras questões relacionadas à saúde chamando a atenção para a sua gravidade, em reuniões no ano passado. O BLOG também encontrou vídeos nas redes sociais respaldando a preocupação dos envolvidos na questão. Com 10 anos de atuação, o movimento nacional surgiu no Pará em luta contra a Vale e atua em 14 estados, incluindo o Ceará. 

"SE A BOIADA PASSAR" - 


Outras críticas têm sido registradas. Um dos mais respeitados conhecedores da trajetória nuclear brasileira, com participação ativa em pesquisas de campos, nos últimos 30 anos, o professor Célio Bermann, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), já relatou a história do Projeto Santa Quitéria, com exclusividade ao BLOG. Doutor em Engenharia Mecânica na área de Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestre em Engenharia de Produção na área de Planejamento Urbano e Regional pela COPPE/UFRJ e graduado em Arquitetura e Urbanismo pela USP, ele fez vários alertas: 

“Este projeto é antigo. Envolvia inicialmente a Nuclebrás (empresa que antecedeu a INB) e a Fosfertil (empresa administrada pela holding Petrofértil, da Petrobras), pois o minério a ser explorado é constituído pela associação do urânio com o fosfato. Em 1987 eu trabalhava como consultor no projeto Itataia e tive a oportunidade de conhecer de perto a irresponsabilidade e o descaso com que a Nuclebrás administrava os trabalhos de prospecção da mina”, contou ao BLOG em entrevista exclusiva.

E muito mais: “Em novembro daquele ano estive na região para levantar dados para os estudos de viabilidade econômica e avaliação de impacto ambiental do projeto. Amostras de rochas retiradas da mina eram enviadas para análise em Caldas (MG), onde o urânio era naquela época explorado pela Nuclebrás. Encontrei amostras de rochas deixadas na praça central do distrito denominado Lagoa do Mato próximo à mina de Itataia. O caminhão que vinha de Minas Gerais para carregar as amostras tinha quebrado no caminho. Os funcionários da Nuclebrás que trabalhavam na mina não tiveram dúvidas. Deixaram as amostras expostas na praça onde crianças brincavam e com diversos animais como cabras, porcos e galinhas”. 

O que aconteceu depois? “Quando teve conhecimento de que os isótopos presentes naquelas pedras apresentavam um nível significativo de radioatividade, a população do vilarejo exigiu da Nuclebrás a interrupção das atividades de prospecção da mina. Soube mais tarde que comerciantes, políticos da região e representantes da paróquia local se deslocaram em caravana até a capital Fortaleza onde se localizava o escritório central da Nuclebrás”. Como souberam do perigo? “Essa população havia sido alertada pela mídia (rádio, TV e jornais) dos problemas da radioatividade com o acidente radiológico do césio 137 ocorrido em Goiânia em setembro daquele ano. Lembro também da exposição realizada por técnicos da Nuclebrás, quando fui conhecer as instalações relatando que a água que era retirada da mina durante os trabalhos de prospecção...” 

O que acontecia? “Essa água acabava sendo utilizada para irrigar a horta onde eram cultivados diversos produtos servidos nas refeições dos trabalhadores da mina, como alface, tomate, batatas, entre outros. No relato, esses técnicos indicavam que todos os produtos que serviam para a alimentação eram monitorados. Afirmavam que o índice de radioatividade detectado nos alimentos eram muito baixos e não ofereciam risco à saúde dos trabalhadores da mina, esquecendo-se de que o efeito da radioatividade é cumulativo, isto é, o organismo acumula ao longo do tempo a radiação a que o organismo está sendo exposto”, contou Bermann. 

Havia relatos de doenças? “Ao longo dos anos que se seguiram, na região vários casos de câncer foram observados nos trabalhadores da mina, sem que a relação causa-efeito tivesse sido estabelecida.  O projeto de exploração da mina de Itataia acabou sendo “esquecido” até 2009 quando foi formado esse Consórcio Santa Quitéria composto pela INB e pela empresa de fertilizantes Galvani”. 

O que sabe mais sobre esse projeto? “Os estudos foram retomados. Em 2014 foi iniciado o processo de licenciamento ambiental junto ao Ibama. Cabe ressaltar que a licença ambiental já havia sido obtida pela INB em 2004, concedida pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (SEMACE). Entretanto, o fato de tratar-se de um empreendimento relacionado com atividades nucleares, levou o Ministério Público Federal (MPF) a solicitar na Justiça, através de Ação Civil Pública, o cancelamento da licença ambiental concedida pelo órgão estadual, passando então para a esfera federal (Ibama) a competência do processo de licenciamento, que seguiu até que, em fevereiro de 2019, o projeto de instalação da usina foi negado pelo Ibama. Segundo o órgão, à época, o "projeto de mineração de fosfato e urânio foi arquivado em razão da inviabilidade ambiental do estudo apresentado". Na decisão o órgão apontou a "ausência de dados sobre radiação" no manejo do urânio, "subdimensionamento de riscos", "ausência de efetividade das medidas mitigadoras", "ausência de comunidades no diagnóstico social" e a "falta de simulação computacional sobre dispersão de poluentes radioativos". 

Como obter maiores informações sobre o caso? “No meio acadêmico podem ser encontrados muitos estudos como o artigo de Medeiros e Diniz publicado em 2015 sob o título “A mina de Itataia em Santa Quitéria-CE: o urânio e os risco da exploração”. No entanto, o projeto ganhou novos contornos com a recente assinatura de um memorando entre o governo do Ceará e o Consórcio. Sob a alegação de que o projeto foi reestruturado, o anúncio deste entendimento foi acompanhado dos supostos benefícios do investimento previsto e da criação de empregos, como sempre. Fala-se também em “destravar” o licenciamento ambiental, o que pode acontecer com o atual processo de desmonte ambiental. Assim, se a “boiada passar”, a exploração do urânio em Itataia poderá ser iniciada em 2023”, disse, na ocasião. 

 LEIA  NO BLOG: 

Em 06/10/2020 – Célio Bermann critica retomada da exploração de minas de urânio e alerta sobre riscos de contaminação por radiação.  

Em 22/09/2023 – Mina de urânio de Santa Quitéria: Fiocruz Ceará e entidades civis manifestam preocupação com casos de câncer e contaminação radioativa. 

FOTOS: SANTA QUITÉRIA - INB – 

E CÉLIO BERMANN - ARQUIVO PESSOAL 

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