sábado, 23 de março de 2024

Niteroiense comanda pesquisa inédita sobre técnica de combate ao câncer, no Instituto de Engenharia Nuclear (IEN-CNEN). Leia a entrevista exclusiva

 


Niteroiense do bairro de Itacoatiara, o doutor em Biotecnologia Ralph Santos-Oliveira, lidera um grupo de pesquisadores do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), no Rio, que desenvolveu e patenteou pesquisa inédita cujos resultados prometem ser promissores no combate a alguns tipos de câncer passíveis de tratamento a partir de radioembolização. A técnica envolve a entrega precisa de microesferas carregadas com produtos radioativos até a região específica do tumor, reagindo de maneira mais segura e precisa à radioterapia, especialmente em casos de tumores no fígado que não permitem cirurgia. Sob a sua responsabilidade a patente: BR 10 2023 023825-4, com o título: “Reciclagem de vidro para fins médicos: produção de microesferas de matriz vítrea dopadas com 166Hólmio para radioembolização hepatocelular”, foi desenvolvida no Laboratório de Nanorradiofármacos apresenta um produto 100% nacional e com grande impacto social. “O Brasil tem seus altos e baixos, e estamos na ascendência novamente, visto o maior volume de financiamento. Contudo, isso precisa ser contínuo, assim como o Brasil precisa investir de forma mais robusta em projetos como esse, que mesmo com recursos mínimos demonstrou grandes resultados”, disse. Eis a entrevista exclusiva com Ralph Santos-Oliveira, 45 anos, filho de profissional de contabilidade e de professora universitária, que estudou na Universidade Federal Fluminense (UFF) e agora alcança importantes vitórias na ciência e tecnologia. 

BLOG: O BLOG noticiou a pesquisa inovadora; conte mais sobre este feito. 

RALPH SANTOS-OLIVEIRAA pesquisa conseguiu dois avanços importantes: primeiro, a produção, em laboratório, de microesferas a partir de vidro reciclável, uma matéria-prima abundante no Brasil e que pode desafogar a cadeia produtiva de impacto ao meio ambiente; o outro insight foi dopar as microesferas com 166Hólmio por trata-se de um radioisótopo subestimado, mas que apresenta uma ótima capacidade de usos em terapias oncológicas. 

BLOG: Os casos de câncer são impressionantes. 

RALPH: De acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), cerca de 704 mil casos novos de câncer devem ser registrados no Brasil em 2024. Este número reflete a necessidade constante de pesquisas sobre a doença, que pode afetar várias partes do corpo humano, e também estratégias de tratamentos que sejam eficazes e mais acessíveis à população, sobretudo devido ao aumento de ocorrências em todas as idades. 

BLOG: Conte um pouco a sua história acadêmica, especialidade. e há quanto tempo se dedica à pesquisa divulgada agora. 

RALPH: Sou farmacêutico industrial mestrado em Tecnologia Energéticas e Nucleares e Doutorado em Biotecnologia, atuando há mais de 19 anos na área de radiofarmacia.  O Laboratório de Nanorradiofármacos do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) tem se dedicado com afinco para fazer o Brasil ainda mais forte na área de Radiofarmacia e nanotecnologia de fronteira. Nesse projeto em específico, estamos trabalhando há mais de três anos nele. 

BLOG: Desafios? 

RALPH: Um dos principais desafios foi desenvolver uma metodologia adequada usando vidro reciclado. Para nós do Laboratório, o impacto ambiental sempre é levado em consideração. Outra dificuldade foi a padronização do tamanho da microesfera, que também consumiu um tempo considerável da pesquisa.  Gostaria de aproveitar e fazer um agradecimento aos órgãos de fomento, em especial a FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que vêm acreditando nas pesquisas do nosso grupo e têm nos ajudado com fomentos. Contudo, é importante que a manutenção orçamentária seja constante, para que possamos elevar e dar continuidade à pesquisa

BLOG: Como poderá chegar ao Sistema Único de Saúde (SUS)? 

RALPH – A chegada pode se dar tanto pela progressão da pesquisa, como pela incorporação do novo medicamento ao rol de procedimentos aprovados pelo SUS. Um ponto importante é que somos um órgão público e, portanto, a transferência de tecnologia e de produtos é mais facilitada. Outro ponto também muito importante é o preço. Atualmente, devido ao alto custo da radioembolização, é impensável se ter esse procedimento junto ao SUS. Contudo, com nosso produto, que é muito mais barato que o mercado tem disponibiliza, essa realidade pode mudar. 

BLOG: A importância para o Brasil e o mundo

RALPH A importância para o Brasil é enorme, pois a pesquisa pode representar a independência total do Brasil de fornecedores internacionais. Além disso, coloca o Brasil em posição de destaque pois integramos o rol dos poucos países que dominam a técnica da produção de microesferas radioativos no mundo! Para o mundo, representa mais um fornecedor de um produto de alto valor agregado, que pode impactar nos preços cobrados e mudar o cenário global de tratamento de tumores hepáticos, ampliando a assistência e cobertura desse exame numa população ainda maior. 

BLOG: O investimento está de acordo com as necessidades?

RALPH: Como disse anteriormente, o Laboratório de Nanorradiofármacos tem sido encarado pelos órgãos de fomento com muita seriedade e isso se reflete na aprovação de projetos de alta complexidade. Por exemplo, acabamos de aprovar junto ao CNPq, no Edital de Medicina de Precisão, um projeto de enorme impacto. Estamos desenvolvendo pequenas sequências de ácido RNA nanoencapsulado radiomarcados com isótopos de interesse médico, para o desenvolvimento de um teranóstico ultra potente. 

BLOG: Pode explicar?

RALPH: É capaz de reprogramar as células cancerígenas para elas não sejam mais cancerígenas, assim como diagnosticar com precisão máxima pequenos focos tumorais possibilitando o diagnóstico de alta precisão e minimamente invasivo. Contudo, os projetos precisam de suporte contínuo, em especial quando se pensa em produto para a população brasileira. A entrega de um produto requer um investimento maior, que o Brasil não costuma fazer. Mas acredito que ações de divulgação como essa sensibilizam os gestores e propiciam o influxo de suporte. 

BLOG: Como analisa o futuro da ciência no Brasil? 

RALPH: Penso que o Brasil tem seus altos e baixos, e estamos na ascendência novamente, visto o maior volume de financiamento. Contudo, como já disse, isso precisa ser contínuo, assim como o Brasil precisa investir de forma mais robusta em projetos como esse, que mesmo com recursos mínimos demonstrou grandes resultados.

BLOG: O Brasil pode avançar muito nesta área? Por quê? 

RALPH: O Brasil é plenamente capaz de avançar e se consagrar nessa área. Com o processo de produção nacionalizado e sendo um dos poucos países a dominar a energia nuclear de forma plena, não há razões que nos impeçam de seguir e conquistar esse importante mercado internacional

BLOG: Como se sente diante de um passo tão importante para o Brasil? 

RALPHComo servidor público, me sinto cumprindo minha missão e dando retorno à população brasileira do investimento feito na nossa pesquisa. Como pesquisador, me sinto honrado e liderar um grupo de pesquisadores tão jovens, tenazes e dedicados, que comungam de um objetivo comum, que é fazer o Brasil um país melhor para todos

BLOG: Quais os seus planos na área que se dedica? 

RALPH: Aqui, não paramos nunca e seguimos o lema: fazer o máximo é o mínimo que podemos fazer. Assim, além de continuar avançando nesse produto, estamos investindo uma boa dose de dedicação ao projeto do nano-siRNA radiomarcado, assim como levando à frente outra dúzia de projetos, na certeza de que pelo menos um ou dois gerem produtos viáveis. 

BLOG: Outros planos

RALPH:  Sempre estamos com planos. Atualmente, temos nos dedicado a analisar o quadro geral e focar nas bordas à procura de um novo desafio. Então, além do nano-siRNA radiomarcado e das microesferas de hólimio, estamos trabalhando sistemas de pontos quânticos de grafeno para Alzheimer, esse também com resultados preliminares bastante promissores. 

BLOG: Com tão boas notícias, conte por que escolheu o caminho da pesquisa? 

RALPH: Fiz Farmácia Industrial na Universidade Federal Fluminense (UFF) por pura paixão. Sou absolutamente apaixonado pela pesquisa e na sua conversão em ato social e curativo como esse projeto. Além disso, a pesquisa proporciona algo que talvez nenhuma outra área permita de maneira tão natural, o contato com o novo, o jovem, e o fresco, em todos os sentidos. Esse trabalho está sob minha batuta, mas é um trabalho de equipe, e uma equipe muito jovem. Então, poder ver esses novos talentos virarem novos pesquisadores críticos, conscientes, tecnicamente sólido consagra a minha escolha também. 

BLOGProva de que valeu pena

RALPH: Sou suspeito para falar, pois como já disse, sou muito feliz com o que faço. Mas, óbvio que já tive momentos de pensar e repensar, em especial quando se trabalha na fronteira do conhecimento. Tentar alcançar a fronteira e demonstrar que sua pesquisa vale a pena e é de ponta é muitíssimo duro.  Mas valeu e vale a pena. Atender à população brasileira me deixa feliz, ver um estudante virar pesquisador me deixa feliz, ver o reconhecimento que sua pesquisa está no caminho certo me deixa feliz... e isso não vale a pena? Vale muito! 

BLOG: Você é bem jovem, e já pode deixar uma mensagem para os iniciantes. 

RALPH: Tenho 45 anos e desejo que os mais jovens sejam bons, muito bons, ótimos. Amem o que façam e ajude-se. A pesquisa é uma fraternidade invisível. 

(FOTO: ASCOM-IEN/CNEN - 

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