quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Pela quarta vez eleito presidente do CONFIES, Fernando Peregrino, fala sobre bloqueio e limitações de verbas a universidades e instituições de pesquisa

 




Pela quarta vez eleito presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Cientifica e Tecnológica (CONFIES), o engenheiro Fernando Peregrino, tem na bagagem 40 anos de experiência nas áreas da pesquisa, ciência, tecnologia e inovação. Com mandato de dois anos a partir de agora, um dos desafios é a luta por recursos para 96 afiliadas ao CONFIES em mais de 160 universidades e instituições de pesquisa vinculadas. O bloqueio e a limitação de verbas, a hipertrofia da burocracia da administração pública, que têm levado o Brasil a ocupar lugares muito ruins no nesse ranking, são questões a serem enfrentadas. 

Natural de Belém do Pará, ele escolheu o Rio de Janeiro para viver desde 1970. Engenheiro Mecânico pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre e doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, deixa mensagem para a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Santos.  “Como nordestina ela conhece bem a desigualdade social e o papel da ciência para resgatar o povo da situação de indigência social e econômica. Mas sabe também da altivez e dos talentos da ciência e da cultura daquela terra nordestina, como José Leite Lopes, Josué de Castro, Ricardo Ferreira, Juliano Moreira, Ariano Suassuna os quais homenageio aqui e sempre!”. Eis a entrevista:

BLOG: Quais os seus principais desafios, agora, pela quarta vez, à frente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às instituições de ensino Superior e Pesquisa Cientifica e Tecnológica (CONFIES)? 

FERNANDO PEREGRINO: Está na nossa pauta a luta pelo aperfeiçoamento do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação que requer continuado esforço dos que dele participam e dos governos. Tenho 40 anos de atuação nesse sistema,  atuei no CNPq, na FINEP, na FAPERJ, fui secretário estadual de ciência, tecnologia e inovação, e colaboro com a COPPE e a COPPETEC há algum tempo, além dos cargos de representação que ocupei e ocupo, como o de membro do Conselho Deliberativo do CNPq e Presidente do CONFIES. Porém, um dos agentes novos e que se firma como preponderante no sistema são as fundações de apoio, entidades de direito privado, sem fins lucrativos, criadas em 1994 para agilizar a gestão dos projetos de pesquisa e inovação do sistema e facilitar a gestão da ligação da universidade com a empresa e sociedade. 

BLOG: Conte um pouco como foi. 

PEREGRINO: Na época a comunidade científica foi ao presidente da República reclamar da dificuldade de importar um insumo para pesquisa, contratar alguém para um projeto, entre outros obstáculos. Porém, os desafios são os mesmos: recursos limitados para a pesquisa e a hipertrofia da burocracia da administração pública. 

BLOG: Parece que a situação piorou. 

PEREGRINO: Nos últimos 4 anos esses recursos foram sistematicamente bloqueados. Até leis foram mudadas ou desrespeitadas como a LC 177 que impediu o bloqueio de recursos do FNDCT violada com a MP 1136. A Lei da Sucata – MP 1112 – que retirou recursos da pesquisa da área de petróleo e gás para financiar sucata de caminhões. Quanto à hipertrofia do controle, não é à toa que o Brasil ocupa lugares muito ruins no ranking da burocracia, 124º lugar. Quando essa burocracia chega na pesquisa assistimos ao absurdo de tentar controlar projetos de pesquisa que tentam chegar a algo novo com velhos parâmetros como se fosse possível. Uma empreiteira deve obedecer a parâmetros de obras similares anteriores já realizadas, mas numa pesquisa as hipóteses que serão testadas são novas, não há como prever.

BLOG: São muito os entraves na administração pública.

PEREGRINO:  Há um fator adicional:  a administração pública ainda não aceita que uma entidade privada como uma fundação de apoio possa gerir projetos de pesquisa em seu lugar. Essa limitação infelizmente decorre da ação do sistema de controle do governo que não promove as fundações de apoio como entidades habilitadas a cumprir esse papel como se demonstra com os 22 mil projetos gerados por ano. O CNPq teve cortes profundos em seu orçamento, e suas bolsas estão com valores congelados desde 2013. Um impacto profundo na juventude que hoje tenta entrar na carreira de pesquisa na universidade ou na empresa. 

BLOG: Ao tomar posse, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, lastimou o corte de recursos para o setor, que caiu de R$ 5 bilhões para R$ 500 milhões na gestão do governo anterior. Até que ponto essa queda de recursos afetou o apoio do CONFIES às instituições? 

PEREGRINO: As fundações são afetadas todas às vezes que o orçamento é cortado. Paradoxalmente, elas foram capazes de captar mais 60% dos recursos do que na fase anterior à pandemia, por exemplo. Como o conhecimento científico é cada vez mais demandado e as universidades são responsáveis por 95% da sua produção no Brasil, outras fontes de recursos públicas ou privadas foram acionadas, como no caso da saúde, meio ambiente e petróleo e gás. 

BLOG: Quantas as instituições foram afetadas e em quais regiões o problema foi maior?

PEREGRINO: Não saberei informar, mas a perda foi distribuída pelo corte de mais de 30% na fonte de custeio das universidades, sem contar o declínio da conta de capital que praticamente foi zerada. 

BLOG: O que pretende fazer para resgatar o apoio do CONFIES às instituições? O reajuste de bolsas de pesquisa está congelado desde 2013? Quase uma década? Por quê? 

PEREGRINO: Hoje são 96 afiliadas ao CONFIES em mais de 160 universidades e institutos de pesquisa as quais se vinculam. Sua importância crescente pode ser medida pelo volume de recursos que elas administram, em 2020 eram R$ 5 bilhões de reais e em 2021 somaram R$ 8,5 bilhões. As fundações são importantes instrumentos de captação de recursos nacionais e estrangeiros. É preciso que isso seja difundido seu uso. Fico feliz em ver que o novo MCTI tem um departamento (artigo 20º do Decreto 1134 item VIII) em sua estrutura que reconhece e dialogará com essas fundações!

BLOG: Como avalia o desempenho da ciência e tecnologia nacional? 

PEREGRINO: O Brasil foi capaz de grandes façanhas tecnológicas como, por exemplo, ser um dos poucos países do mundo detentores de tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, a de fabricar vacinas, a de produzir combustíveis renováveis, entre outras. Mas infelizmente tem apenas 900 pesquisadores por milhão de habitantes, 10 vezes menos que um país industrializado. 

BLOG: O campo da energia nuclear está ligado à ciência e a tecnologia. Como analisa ou avalia esta área no Brasil. E que credita o atraso e ou dependência brasileira no setor? 

PEREGRINO: Esse campo se inclui na crônica deficiência do Brasil em tratar temas estratégicos por meio do domínio de tecnologias como a nuclear. 

BLOG: Alunos de engenharia nuclear da UFRJ, ao término do curso, estão saindo do Brasil para cursar doutorado no Estados Unidos e em outros países.  Ou seja, o Brasil investe, forma, e perde o profissional. O que acha disso? 

PEREGRINO: Terrível o Brasil exportar seus talentos, assim como seus produtos naturais ao invés de industrializá-los. No caso dos alunos é duplamente ruim, pois além de jogar fora o investimento feito no jovem, deixa de aproveitar sua atividade como pesquisador e deixá-los compondo equipes de pesquisa nos países dos quais importaremos novas tecnologia no futuro. 

BLOG: Os concursos públicos na área nuclear são raros e praticamente não contemplam esse pessoal capacitado. Qual a sua opinião? 

PEREGRINO: Reflete o desprezo e a falta de estímulo do País pelo domínio do conhecimento estratégico no setor nuclear. 

BLOG: O que espera da atual gestão para que se possa apoiar às instituições de ensino em geral? E qual o erro que a atual gestão federal não pode cometer?

PEREGRINO: O erro é considerar que o Brasil pode reduzir desigualdade e a fome com um país periférico em termos de tecnologia e indústria. Espero que não caia nessa. 

BLOG: Alguma mensagem para a ministra? 

PEREGRINO: Que ela seja bem sucedida, como nordestina ela conhece bem a desigualdade social e o papel da ciência para resgatar o povo da situação de indigência social e econômica. Mas sabe também da altivez e dos talentos da ciência e da cultura daquela terra nordestina, como José Leite Lopes, Josué de Castro, Ricardo Ferreira, Juliano Moreira, Ariano Suassuna os quais homenageio aqui e sempre! 

FOTO: ACERVO CONFIES – 

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Um comentário:

  1. Peregrino sabe do que está falando. Profundo conhecedor da área, entende do riscado. Faço apenas ressalva ao gentio de Juliano Moreira. Ele era baiano. Nascido na capital, soteropolitano portanto.

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