Alguns
assuntos abordados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste terceiro mandato, merecem ser destacados. Começo com uma fala importante sobre precisarmos de
livros, em vez de armas nas mãos dos cidadãos brasileiros, pois, são nos
livros, por exemplo, que podemos começar a desmistificação do setor nuclear
neste país, se quisermos ter um futuro como uma nação competitiva no que tange
à ciência, tecnologia e inovação. É fundamental que a educação também se atenha
a eliminar os preconceitos envolvidos nas palavras “radiação” e “nuclear” à luz
de termos um futuro justo e diversificado das matrizes energéticas brasileiras.
O setor nuclear sozinho não é o caminho e muito menos a solução para os
problemas energéticos, mas com toda certeza é a grande parcela que poderá
contribuir para continuarmos com os avanços tecnológicos no campo da energia,
da sustentabilidade ambiental e, sobretudo, da medicina. Quando se ouve as
palavras “energia limpa”, o que vem à mente? A maioria pensa imediatamente em
hidrelétricas, painéis solares ou turbinas eólicas, mas quantos pensam em
energia nuclear? A energia nuclear é frequentemente deixada de fora da conversa
sobre “energia limpa”, apesar de ser a segunda maior fonte de eletricidade de
baixo carbono do mundo, atrás da energia hidrelétrica e, ter sido considerada
pela União Europeia, em 2022, como energia verde.
A matriz energética
brasileira deve ser diversificada, mas devemos aumentar o porcentual na
nuclear. O “Nuclear Energy Institute”
diz que os parques eólicos exigem 360 vezes mais área de terra para produzir a
mesma quantidade de eletricidade e as usinas solares fotovoltaicas exigem 75
vezes mais espaço. Para colocar isso em
perspectiva, é preciso de mais de 3 milhões de painéis solares para produzir a
mesma quantidade de energia que um reator comercial típico ou mais de 430
turbinas eólicas (fator de capacidade não incluído). O combustível nuclear é
extremamente denso em energia (uma pastilha de urânio com aproximadamente 2,54
centímetros de altura equivale a uma tonelada de carvão ou 120 galões de
petróleo ou ainda quase 480 m3 de gás natural). Ou seja, cerca de um milhão de
vezes maior do que outras fontes tradicionais de energia e, por isso, a
quantidade de combustível nuclear usado não é tão grande quanto se imagina.
A
educação nuclear e sua desmistificação devem acontecer desde cedo, através de
profissionais competentes do setor, incentivando a reciclagem e as
especializações dos professores de ciências de ensino básico. A mudança
acontece com as crianças. Então, comecemos a ensinar corretamente que energia
nuclear não é apenas bombas e acidentes. Acidentes estes que acontecem em uma
escala muito pequena para as grandes repercussões dadas. Hoje, os atuais
engenheiros nucleares formados no Brasil pela UFRJ, única faculdade que forma integralmente engenheiros nucleares, tem como
docentes, em sua maioria, em especial por óbvio, na parte profissionalizante do
curso de graduação, bacharéis em física. Sim em física. Isso porque a história
Nuclear no Brasil se iniciou a partir da pós graduação do setor, na Era Vargas,
diferentemente dos outros cursos de pós-graduação. Isto torna a área nuclear
tão especial e estratégica, merecendo uma pasta exclusiva no novo Governo
Federal. Não reconhecer o valor desses profissionais é negar nossa história e,
muitos ou quase todos, optaram por serem também pesquisadores.
Todavia, não
podemos esquecer outro ponto tocado no discurso de posse do presidente Lula:
democracia para todos. Democracia para todos na educação de ensino superior é
ter investimento para fortalecer os cientistas e, por conseguinte, reajustar as
bolsas de mestrado, doutorado e de pesquisadores para que continuemos motivados
dentro da Ciência. A mesma é dispendiosa
e, por muitas vezes, temos que colocar dinheiro do próprio bolso para que uma
pesquisa siga seu curso. Precisamos de mais incentivo com um leque inovador e
abrangente no setor. Precisamos aumentar as cotas de bolsas da nossa
pós-graduação pelos Órgãos de Fomento do Governo.
Precisamos de políticas
públicas que façam com que o engenheiro nuclear queira continuar e estabelecer
sua carreira no nosso país, ou pelo menos, que tenha incentivo para voltar à
pátria após obter conhecimento e experiência no exterior. Isso não significa
que os que aqui estão são rejeitos intelectuais. Não! Eles tocam esse país como
engenheiros nucleares que são ou como mestres e doutores em engenharia nuclear
que são, porém não estão devidamente valorizados. Precisamos entender que
pesquisadores bolsistas, os alunos de mestrado e de doutorado, vivem
exclusivamente do dinheiro dessas bolsas, sem poder ter empregos, o que os
limita em demasia no desenrolar de suas vidas, pois precisam ser inseridos no
mercado de trabalho. Temos que ter um plano de carreira factível com a demanda
do setor, tanto privado quanto público.
Os físicos com mestrado e doutorado em
engenharia nuclear também não podem ser esquecidos nos futuros concursos, cada
vez mais escassos. Mais uma vez insisto nesse ponto, pois nossos engenheiros
nucleares genuinamente brasileiros, ainda estão em fase inicial de experiência
de campo. Temos que aumentar as vagas de estágios nas empresas do setor, e,
sobretudo, uma cultura do “não medo” quando falamos de energia nuclear e de
radiação. Um outro ponto a ser mencionado é o hidrogênio verde. Sabemos que a
curto prazo o mundo exigirá milhões de toneladas de hidrogênio limpo. Contudo,
o hidrogênio só pode contribuir plenamente para uma descarbonização profunda se
for produzido a partir de fontes de energia com baixo teor de carbono e se
houver geração suficiente de eletricidade de baixo carbono para produzi-lo.
A
curto prazo, o hidrogênio pode ser produzido por meio de um processo chamado
“eletrólise da água” que, como o próprio nome indica, requer insumos de água e
eletricidade. O hidrogênio da eletrólise
da água só é de baixo carbono se usar eletricidade do vento, energia solar
fotovoltaica, energia hidrelétrica ou energia nuclear. A médio prazo, são
esperadas inovações que também permitirão que o hidrogênio seja produzido de
maneiras diferentes e mais eficientes, inclusive a partir de tecnologias
nucleares avançadas, como pequenos reatores modulares (SMRs) de próxima
geração.
Por fim, porém não menos importante, não posso esquecer do nosso teto
de vidro, como relata reportagem da Folha de S. Paulo, oriunda de dados da Unesco,
que provam haver uma barreira para o avanço de pesquisadoras no mercado de
trabalho. Nós mulheres, somos apenas 3 de cada 10 ocupações na ciência,
tecnologia, engenharia e matemática no Brasil, embora representemos 44% da
força de trabalho. Sem falar que somos menos de 3% a ocuparem cargos de
lideranças nas áreas de pesquisas em ciência e tecnologia no nosso país. Já
temos um avanço quanto à licença maternidade para mestrandas e doutorandas com
bolsas de fomento do Governo Brasileiro, porém nada se fala quanto as
pesquisadoras de pós-doutorado, ficando todas à mercê das Instituições de
Ensino Superior, que muitas vezes não tem nada regulamentado, como se estas
mulheres não existissem. E, portanto, o Ministério da Mulher, da Família e da
Cidadania é tão importante e fundamental, em especial na área nuclear, que é
altamente subjugada.
Termino esse pequeno texto sem ser na voz passiva
propositalmente, digo e repito: não há milagres, mas o olhar de hoje para
obtermos um futuro sustentável, limpo e seguro sob a democracia para todos é um
olhar baseado em políticas públicas profundas na área nuclear, com investimento
na parcela feminina brasileira.
AUTORA - INAYÁ LIMA – Bacharel em Física pela
Universidade Federal Fluminense (UFF), com mestrado e doutorado em Engenharia
Nuclear, coordenadora do Programa de Pós Graduação em Engenharia Nuclear da
Coppe/UFRJ e vice- chefe do departamento de Engenharia Nuclear da Escola
Politécnica da UFRJ.
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