Ex-diretor do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), o pesquisador emérito do Instituto, Marcelo Linardi, fala sobre a “arbitrária” exoneração do superintendente Wilson Calvo, durante o carnaval, pelo ministro Marcos Pontes. Graduado em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Campinas (1983), com mestrado em Ciências Nucleares pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (1987), doutorado em Engenharia Química - Universitat Karlsruhe (1992) e Pós-Doc pela Universidade de Darmstadt, Alemanha em 1998, Linardi, conta ao BLOG os desdobramentos da exoneração e comenta sobre a firme posição de Calvo em relação à produção dos radiofármacos (medicamentos com radiação para diagnóstico e combate ao câncer) a favor da saúde pública brasileira. Eis a entrevista.
BLOG: Qual a sua opinião sobre a exoneração do superintendente do IPEN, Wilson Calvo, durante o carnaval?
MARCELO LINARDI: A exoneração de Wilson Calvo do cargo de Diretor de Unidade da CNEN (IPEN) deixou perplexa quase a totalidade de funcionários do Instituto. Ocorreu de forma unilateral por parte do governo federal, quebrando um rito processual e também uma tradição, que envolvem a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Governo do Estado de São Paulo (SDE), a Universidade de São Paulo (USP, da qual o IPEN antes fazia parte) e, por fim, do Conselho Superior do IPEN, colegiado máximo da Instituição que seleciona o seu Superintendente, num rito determinado, com regras claras.
BLOG: Informe mais sobre a importância do Conselho.
LINARDI: O Conselho é formado exatamente pelas partes desrespeitadas pela CNEN neste ato de exoneração, ou seja, a SDE, a USP, a FIESP e a própria CNEN, claro. Assim, qualquer decisão de mudança de Superintendente passa, necessariamente pelo Conselho Superior, que sequer foi notificado. Este ato arbitrário do governo federal significou um desrespeito, não só a estes órgãos, mas também ao próprio Calvo, pessoa quase unânime na casa, pela sua eficiência, dedicação e atenção a todos. Questionada a esse respeito, a CNEN afirmou, em reunião interna, que não é obrigada a dar satisfação deste ato. Discordo. O convênio entre as partes (CNEN e Governo de SP) dita o rito (não cumprido) e, mesmo que não o fizesse, há uma obrigação moral de termos explicações do ocorrido.
BLOG: Quais interesses poderiam ter provocado a exoneração?
LINARDI: Como a CNEN não esclareceu os fatos, ficou um vácuo. Transitamos entre mais uma atitude destrutiva do governo federal à ciência e tecnologia nacionais ou então interesses de foro particular, que não justificam o ato em si, ou ainda o que se quer esconder? A não explicação somente gera incertezas e desconfianças. A atitude do Ministro do MCTI, Marcos Pontes, que assina a exoneração, também não combina com suas pretensões políticas, numa campanha positiva em prol da ciência.
BLOG: Sabemos que foi à revelia do Governo do São Paulo, que, aliás, está criticando o governo federal, acusando de intervenção etc. LINARDI: É verdade, mas deixando interesses políticos de lado, foi uma atitude que traz graves prejuízos ao Instituto. Os funcionários estão revoltados e já realizaram, inclusive, manifestações, via Associação, de desagravo à exoneração. BLOG: Até agora o governo de SP não tomou medidas reais. Sabe o motivo? O que acha?
LINARDI: Não tenho conhecimento sobre as reações das partes desrespeitadas como um todo. Sei apenas que o Conselho Superior não concordou com a atitude da CNEN/Governo Federal. Aliás, vale a pena lembrar que a exoneração do cargo de Superintendente da Autarquia Estadual não foi realizada, apenas de Diretor de Unidade da CNEN. Antes, estes dois cargos se reuniam numa só pessoa. Agora, dividiu-se e isso é inédito.
BLOG: Como assim?
LINARDI: Calvo continua sendo o Superintendente, somente o governador do Estado pode exonerá-lo. O cargo de Diretor de unidade passou para o adjunto, que é a Isolda Costa, que pode, perfeitamente dispor do trabalho do ainda Superintendente Calvo na administração do IPEN. Entretanto, só ela pode assinar os documentos do instituto. Eu me pergunto como a CNEN reagiria a esta situação esdrúxula, caso viesse a ser desrespeitada da mesma forma?
BLOG: Até que ponto a exoneração pode afetar as atividades do IPEN?
LINARDI: Será prejudicial ao IPEN como um todo. Primeiro pela insegurança de governança por parte da CNEN. Com esta exoneração arbitrária, todos os dirigentes se sentem ameaçados. Não é com atitudes como essa que se forma um time forte para cumprir seus objetivos, que no caso do IPEN são nobres e caros à sociedade.
BLOG: Wilson Calvo defendia a produção dos radiofármacos via radioisótopos importados pelo Ministério/CNEN. Essa defesa pode ter contribuído para a exoneração? Ele seria uma “pedra no caminho” dos interessados em quebrar o monopólio?
LINARDI: Calvo sempre defendeu o interesse público e também a saúde da população brasileira. Todas as suas atitudes e decisões foram neste sentido, não poupando esforços, sacrifícios e incontáveis horas extras (não remuneradas) para a consecução destes objetivos. A quebra do monopólio em si não é um problema. A forma de como está sendo proposta, sim. Não fomos ouvidos nem chamados a participar deste processo. Há medidas importante a se considerar nesta quebra, que garantam a continuidade da produção e pesquisa públicas de radiofármacos, como por exemplo, a continuidade e expansão de seu fornecimento ao SUS (Sistema Único de Saúde) pelo IPEN a preços reduzidos. Temo que isso não ocorrerá e o Calvo sempre fez alertas a esse respeito.
BLOG: O que acha da quebra do monopólio, a partir da PEC 517/2010, do senador Álvar Dias (Podemos-PR)?
LINARDI: Como está formulada vai trazer prejuízos ao país. Embora tenha o forte argumento de garantir a não interrupção de fornecimento de radiofármacos à população, já que cortes de verbas públicas anteriores trouxeram estes contratempos. Mas, e se uma empresa fechar as portas? Não se trata de um produto de prateleira! Não se importa produtos radioativos da noite para o dia! E se nossa infraestrutura de produção já estiver desmontada? E mais, imediatamente após a quebra do monopólio os preços vão quase que triplicar no mercado. E o SUS como fica? O IPEN não produzirá mais, pois embora nossos produtos já sejam de uso consagrado e seguros, a ANVISA aprovará, a partir de então, apenas os produtos devidamente registrados, que as empresas privadas possuem. O IPEN também procura registrar nossos produtos, mas são processos lentos e custosos que envolvem testes clínicos caros. Já registramos alguns, mas precisamos de tempo par para todos ou outros. A PEC não nos dá este tempo.
BLOG: Eles alegam que o preço do radiofármaco ficará mais em conta para o mercado e SUS...
LINARDI: Por quê? As empresas farão caridade?
BLOG: Agora, como fica o IPEN?
LINARDI: Não sabemos. Este fato nunca aconteceu antes. Confio na capacidade da Isolda e na sua vontade de ajudar. Como já mencionei, o Calvo pode ainda participar da vida do instituto se assim quiser, claro. De qualquer maneira, a insegurança e o descontentamento instaurados nos seus funcionários é visível e lamentável para o futuro da instituição. O melhor seria, sem dúvida nenhuma, a revogação da exoneração e a abertura de diálogos, tão raros e difíceis no governo federal atual. Ficamos a pensar: será que o governo federal objetiva um desmonte da pesquisa científica e do ensino do país como um todo, ou seriam mesmo atitudes típicas de autoridades de épocas não democráticas de outrora?
BLOG: Conte um pouco sobre as suas experiências no IPEN. E por que saiu?
LINARDI: Me aposentei por motivos exclusivamente particulares. Tenho experiência na área de Química, com ênfase em Eletroquímica, atuando principalmente nos seguintes temas: célula a combustível, eletroquímica, eletrocatálise, hidrogênio e etanol. Orientei 10 teses de doutorado, dez dissertações de mestrado, quinze trabalhos de iniciação científica, sete estágios e cinco pós-doc, na CPG USP/IPEN. Atuei no PROH2, Programa Brasileiro de Células a Combustível e Hidrogênio do Ministério de Ciência e Tecnologia. Escrevi o primeiro livro em língua portuguesa sobre ciência e tecnologia de células a combustível. De 2013 a 2019 fui diretor de P&D e Ensino do IPEN, atuando nas áreas de inovação, ensino, projetos institucionais e gestão de tecnologias. Coordeno dois projetos institucionais: um FAPESP, chamada da Secretaria do Estado de SP, no valor de R$ 16 milhões, na área de radiofarmácia e nanotecnologia; e um FINEP, de equipamentos multiusuários, no valor de R$ 15 milhões, baseado numa unidade móvel para um irradiador de elétrons multifuncional. Como diretor no IPEN criou várias iniciativas para o fomento de P&D e Ensino como: projetos meritocráticos; editais internos, prêmio de inovação tecnológica, vários prêmios de reconhecimento profissional individuais; ações de Internacionalização do instituto; livro sobre o passado, presente e futuro da inovação tecnológica no IPEN, entre outras ações visando alavancar nossos programas, mantendo qualidade, por exemplo.
FOTO: ARQUIVO PESSOAL – MARCELO LINARDI.
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