Com a avanço das ações visando à retomada das obras
da usina nuclear Angra 3, a Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (SAPE)
discute a questão com entidades locais, nacionais e internacionais, enquanto
ações judiciais tentando barrar os empreendimentos nucleares na região caminham
lentamente. Além do imbróglio judicial, com alertas sobre os graves impactos
ambientais e nas aldeias indígenas, a entidade fará denúncia à Associação
Brasileira de Imprensa (ABI) sobre boicote sofrido junto à mídia local. “As entrevistas
são concedidas e nada é publicado. Fomos avisados.”, afirma Maria Clara Sevalho,
da coordenação da SAPE e da Articulação Antinuclear Brasileira. Eis a entrevista:
BLOG: O governo decidiu retomar as obras da
usina nuclear Angra 3. O consórcio belga-espanhol foi vencedor e há sessão
pública em andamento. O processo caminha para que a usina seja inaugurada em
2026. Qual a opinião da SAPE?
SAPE: A entidade foi fundada no movimento
antinuclear, na época de ditadura. A nossa luta contra Angra 3 já tem mais de
uma década. Insistimos que o Brasil é solar e não nuclear. Devemos investir na
energia do futuro. Reforçamos que a energia nuclear é suja, cara e perigosa. Seguimos
com processo judicial sobre o plano de emergência, denunciando a precariedade
das simulações e do município de Angra dos Reis para situações de emergência
nuclear. Esse investimento bilionário que Angra 3 representa atende aos
interessas das empreiteiras e não aos interesses da população.
BLOG: Quais as
ações da entidade?
SAPE: Para além das ações judiciais – que são lentas,
incertas, e refletem a desigualdade de poder presente na região – a SAPÊ
procura agir no sentido de trazer essas discussões para a sociedade local, nacional
e internacional, nas várias redes de resistência ao nuclear e na interação com
as outras lutas de resistência. Assim, atuamos com as comunidades de Itacuruba
que resistem ao projeto de expansão do nuclear para a beira do São Francisco,
as comunidades do Ceará que lutam contra a mineração de Urânio, por exemplo. E
gerar mobilização.
BLOG: Como está a ação na Justiça para barrar a construção
da UAS?
SAPE: Está em andamento. Conseguimos importantes vitórias com pareceres
favoráveis aos nossos claros argumentos de que as comunidades tradicionais e a
população de um modo geral não possuem voz ativa nessa construção
antidemocrática.
BLOG: Com Angra 3,
haverá a construção de mais UAS. Como a SAPE reagirá?
SAPE: Nossa luta em todas
as instâncias continuará firme. Projetamos com força e assim seguiremos. A SAPE
tem um importante papel de fazer o contraponto à narrativa da Eletronuclear (estatal
gestora das usinas) na região, trazendo informação para a população sobre os
riscos e problemas da energia nuclear. Sabendo, entretanto, da enorme
disparidade de poder entre a empresa e a sociedade civil.
BLOG: Como está o plano de emergência para as
usinas? Há informações?
SAPE: O acesso que temos é a base de pesquisas como
minha própria dissertação de mestrado onde avaliamos o plano de uma forma
social, tendo em vista o turismo desestruturado nas zonas de planejamento de
emergência.
BLOG: Como está o diálogo
com as populações indígenas locais?
SAPE: Nosso diálogo sempre foi estruturado
no coletivo, na escuta solidária. Temos parceria com os povos tradicionais há
muitas décadas, e isso nunca mudou. Estamos lutando lado a lado por mais
justiça socioambiental desde sempre. B
BLOG: A SAPE tem algum encontro com
representantes viando dialogar sobre as usinas?
SAPE: No momento estamos nos
fortalecendo enquanto movimento nacional, juntando lideranças de diversas
regiões do país que também lutam contra projetos nucleares em territórios
tradicionais.
BLOG: Até que ponto a pandemia do coronavirus está dificultando
as ações da SAPE?
SAPE: A pandemia fortaleceu os encontros virtuais, expandiu
nossa voz nas “lives” e conseguimos criar uma cartilha sobre nossa luta com
apoio de diversos movimentos. Agora estamos realizando um ciclo de diálogos
sobre o momento atual da cidade com a participação de muitos estudiosos sobre
as lutas que estamos enfrentando na cidade como a censura dos nossos movimentos
nos diversos conselhos municipais e imprensa local.
BLOG: Como a entidade analisa
hoje os impactos ambientais nas comunidades indígenas da central nuclear?
SAPE:
A SAPE denuncia sempre os impactos ambientais que as usinas nucleares causam
nas aldeias indígenas, que existem desde o início da construção da rodovia
Rio-Santos de Mangaratiba (RJ) até Ubatuba (SP), primeiro investimento
necessário para a vinda dos equipamentos e mão de obra. Estes impactos se
concentram principalmente na extinção de áreas de manguezais, mudança de fauna
e flora marítima na área onde os reatores despejam a água do sistema de
resfriamento, alterando o equilíbrio da cadeia alimentar nos arredores,
especulação imobiliária, turismo predatório, crescimento populacional
desordenado em áreas de preservação ambiental próximas as comunidades
tradicionais. Tudo isso acarretou em poluição extrema dos rios e praias de
diversos bairros como o Frade, Bracuí e Perequê que se encontram a poucos
quilômetros da usina. Nossas denúncias são constantes.
BLOG: Há informações de que a SAPE está com
dificuldades para prestar informações sobre a sua atuação em Angra. É verdade?
SAPE:
Sim, muita dificuldade junto à imprensa local. Estamos redigindo uma nota de
repúdio para enviar à Associação Brasileira de imprensa (ABI) entre hoje e amanhã.
O conselheiro da SAPE, Rafael Ribeiro, está finalizando o texto. Nas redes
sociais, estamos fazendo de forma articulada, organizada.
FOTO: Central Nuclear de Angra dos Reis: Acervo Eletronuclear