quinta-feira, 18 de março de 2021

Angra 3 recebe equipamentos, acumula dividas e críticas; governo garante que usina nuclear será inaugurada em 2026


A usina nuclear Angra 3, comprada no pacote do acordo nuclear Brasil-Alemanha, em 1975, receberá os dois últimos acumuladores, de um total de oito, fabricados pela Nuclep, em Itaguaí. O ministro de Minas e Energia, Bento de Albuquerque, deve participar da solenidade de entrega dos equipamentos, da Nuclep à Eletronuclear, na manhã desta sexta-feira (19/03). A presença do presidente Jair Bolsonaro, anunciada pela Eletronuclear, não deverá acontecer. 

Não faltam críticas à continuidade das obras da central atômica, por parte de especialistas nacionais e da Alemanha, quanto ao projeto antigo da usina; enquanto o setor comemora o lançamento do edital, no dia 25/2, para a retomada das obras, marcada para outubro. 

Números oficiais mostram a sangria de recursos provocada pela falta de gestão, decisão política, denúncias de corrupção, entre outras coisas, durante décadas, que marcaram a trajetória de Angra 3. A Eletronuclear gastava, em 2018, cerca de R$ 30 milhões por ano, com a manutenção dos equipamentos já existentes para Angra 3. Os equipamentos estavam estocados em almoxarifados localizados em sua maior parte no canteiro de obras da usina, além de instalações em Mambucaba e na Nuclep. 

A empresa informou na época que “houve um cuidado específico quanto aos equipamentos e componentes sujeitos à obsolescência, sendo que estes fazem parte dos fornecimentos nacionais e importados contratados a partir da retomada do empreendimento em 2009, estando assim atualizados”. 

SEM RECURSOS - 

Angra 3 já consumiu R$ 7 bilhões e tem 65% das obras civis concluídas. Para colocar a unidade em operação comercial em 2026, o governo precisa de R$ 15 bilhões. Sem recursos, busca parcerias com empresas internacionais. Até recentemente, estavam na lista de interessados: o consócio franco-nipônico EDF/MHI (Électricité de France / Mitsubish Heavy Industries); a sul-coreana KEPCO (Korea Electric Power Corporation) responsável pela construção de quatro usinas nucleares nos Emirados Árabes Unidos; as atuais controladoras da norte-americana WEC (Westinghouse Electric Corporation), a russa Rosatom; a chinesa CNNC (China National Nuclear Corporation); e o grupo consorciado chinês SNPTC/SPIC (State Nuclear Power Technology Company / State Power Investment Corporation).

PRISÃO E DÍVIDAS - 

Além da falta de recursos e de decisões políticas, a história de atrasos nas obras da usina conta com a prisão do então presidente da Eletronuclear, contra-almirante, Othon Luiz Pinheiro, em 2015; e até mesmo do ex-presidente Michel Temer, com base em denúncias de corrupção da operação Lava Jato. Todos foram soltos logo depois. 

A dívida da Eletronuclear com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal (CEF) chega a R$ 6,6 bilhões. A Eletronuclear informou que vem pagando, mensalmente, R$ 30,1 milhões ao BNDES, e R$ 24,7 milhões, mensais, à CEF. 

ESPECIALISTAS CRITICAM - 

No Brasil, especialistas renomados condenam a retomada das obras de Angra 3. É o caso do professor Heitor Scalambrini Costa, graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP), mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), além de Doutorado em Energética, na Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica (CEA)-França. Em entrevista ao blog recentemente, ele não poupou críticas ao projeto: 

“Concluir Angra 3 e expandir a geração nuclear, com a construção de novas usinas, é seguir um caminho contrário ao que o mundo atual almeja. Diante de tantas prioridades necessárias e urgentes, investir em usinas nucleares represente mau uso do dinheiro público. Com um histórico de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas na execução do projeto, tais crimes, segundo as investigações, acabaram condenando o contra-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, a 43 anos de prisão, teriam que injetar mais R$ 15 bilhões para concluir a usina. Diante das inúmeras opções de fontes energéticas renováveis abundantes no país, é desnecessário investir em uma fonte geradora com tantas controvérsias, polêmicas, representando real risco e perigo a vida das pessoas e da preservação ambiental. Um escapamento, fuga de material radioativo, quando acontece, do interior de um reator é um desastre, uma tragédia sem comparação. Por que correr o risco”? 

Outro crítico do empreendimento é o professor Célio Bormann, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Engenharia Mecânica na área de Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestre em Engenharia de Produção na área de Planejamento Urbano e Regional pela COPPE/UFRJ e graduado em Arquitetura e Urbanismo pela USP, ele também falou recentemente ao BLOG. 

“O investimento previsto para a conclusão da obra era de R$ 18,7 bilhões, conforme relatório de fiscalização (TC n. 016.991/2015-0) elaborado pelo TCU-Tribunal de Contas da União, em fevereiro de 2016. Ao mesmo tempo, em recente estudo publicado pelo Instituto Escolhas “Angra 3: vale quanto custa?” (abril/2020) é indicado que os gastos que seriam necessários para abandonar a obra de Angra 3 são da ordem de R$ 11,92 bilhões. Para mim, a resposta é simples: abandonaria a obra.  A pergunta que fica é essa: existirá um investidor privado disposto a correr o risco de retomar as obras? Ou será o combalido Tesouro Nacional que irá finalizar aquilo que nunca deveria ter sido iniciado?” 

ALEMÃO ALERTA - 

Um importante alerta internacional que desaprova Angra 3 vem da Alemanha. Em entrevista gravada especialmente para a conferência “Usinas Nucleares – Lições da Experiência Mundial", realizada em novembro de 2015 no Senado, o ex-diretor do Departamento de Segurança de Usinas Nucleares do Ministério do Meio Ambiente alemão , Dieter Majer faz um alerta sobre os riscos de segurança das usinas brasileiras Angra 2 e 3, que utilizam tecnologias criadas em projetos dos anos 1970 e 1980. 

Majer aborda ainda a meta de desligamento total das usinas nucleares alemãs e os problemas decorrentes das desativações. No vídeo, disponível no YOU TUBE, que aqui divulgamos, 

Dieter Majer  faz análises técnicas sobre a construção de Angra 2 e 3 e destaca como o incidente de Fukushima, ocorrido no dia 11 de março de 2011,  foi decisivo para convencer a grande maioria da população e dos políticos alemães que a tecnologia nuclear não teria futuro no país e por isso solicitaram que 19 usinas fossem desativadas até 2022. Majer faz um alerta ao dizer que Angra 3 estaria longe do estado atual da tecnologia e, portanto, longe da prevenção ideal contra danos. Assistam no YOU TUBE. 

FOTOS – As fotos dos equipamentos de Angra 3, na Nuclep, foram divulgadas com exclusividade pelo Blog, em 11/12/2018.

Um comentário:

  1. A aposta na energia nuclear no Brasil hoje em dia atende apenas a própria máquina operacional das Usinas, às empreiteiras que se fartam e alimentam a corrupção, e aos militares adeptos do binômio soberania/potência nuclear. Um desperdício prum pais com tanta gente miserável.

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