quarta-feira, 29 de julho de 2020

COVID - 19: MPF cobra à Eletronuclear medidas socioambientais por conta de usinas nucleares e comunidades indígenas

O Ministério Público Federal (MPF) cobrou da Eletronuclear nesta quarta-feira (29/7) o cumprimento de medidas socioambientais indígenas, pelos impactos causados com as três usinas nucleares (Angra 1, 2 e 3), na região. A morte do cacique Domingos Venite, de 68 anos, da tribo Sapukai, maior aldeia indígena em Angra dos Reis, vítima de coronavirus (COVID-19), no último dia 21/7 reacendeu o alerta sobre a possibilidade de aumento de casos na região, que já contabiliza cerca de 90 indígenas infectados. O MPF deu 90 dias no máximo, para que a estatal, gestora das usinas, tome as providências. 


O MPF requer que a empresa execute medidas mitigadoras do impacto socioambiental direto dos empreendimentos a todas as comunidades tradicionais indígenas em Angra dos Reis e Paraty (Aldeia Indígena Itaxi, Terra Indígena de Parati-Mirim – Paraty; Aldeia Indígena Arandu-Mirim, Aldeamento em fase de identificação – bairro Mamanguá – Paraty; Aldeia Indígena Karai-Oca , Terra Indígena Araponga – Paraty; Aldeia Indígena Rio Pequeno, Aldeamento em fase de identificação – Paraty; e Aldeia Indígena Sapukai, Terra Indígena Bracui – Angra do Reis. 


O cacique estava internado no Centro de Tratamento de Covid-19 desde o dia 26 de junho, e sua morte abalou os indígenas. A Secretaria Municipal de Saúde orientou a tribo a sepultar o corpo no cemitério da aldeia, respeitando as normas estabelecidas. A Prefeitura de Angra informou que 88 indígenas estão infectados pelo coronavírus. O grupo está sendo acompanhado por uma equipe médica que atua em na Unidade de Saúde da Família da aldeia. 


Atualmente, cerca de 350 indígenas da tribo guarani vivem na aldeia Sapukai, que fica localizada a cerca de 6 km da BR-101 (Rodovia Rio-Santos), na região de Bracuí. A comunidade vive em uma área montanhosa cercada por Mata Atlântica. 


O procurador da República, Igor Miranda da Silva, afirmou que a Eletronuclear deve cumprir o que foi imposto no Processo de Licenciamento Ambiental, destacando-se que as exigências dessas condicionantes possuem fundamento jurídico e técnico, amparados, ”sob pena de invalidade, a emissão e efeito das Licenças, bem impondo óbice à sua renovação ou ampliação (novas licenças ou autorizações)”. 


Segundo ele, o procedimento de licenciamento ambiental” não pode furtar-se à avaliação dos impactos que os empreendimentos possuem sobre o desenvolvimento socioeconômico de comunidades locais, impondo-se o indeferimento das licenças ambientais sempre que houver grave violação aos direitos humanos, aos espaços territoriais e aos modos de vida que conformam a dignidade humana de povos e comunidades tradicionais”. 


O procurador expediu recomendação ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para que a autarquia ambiental não emita qualquer renovação, nova licença ou autorização ambiental em atividade na Central Nuclear de Angra, enquanto não houver início (recomeço) de execução da condicionante indígena. 


Essas condicionantes são a execução de programa socioambiental voltado para a comunidade indígena da região, bem como apresentação e execução de Plano de Trabalho baseado no Termo de Referência da Fundação Nacional do Índio (Funai). No entanto, “apesar de realizadas inúmeras tratativas e tentativas, foram infrutíferas para sanar a pendência sobre a execução do convênio celebrado pela Funai e Eletronuclear, cuja execução está paralisada desde 2002”, detalha a recomendação.


Em 2005, a Eletronuclear se manifestou favorável à realização de novo convênio, e, novamente em 2010, expressamente afirmou que está “de pleno acordo e ansiosa” para tal ajuste se realizar, de modo que possa retomar o cumprimento das condicionantes impostas. 


Em relação ao termo de referência, a Funai encaminhou o documento para elaboração do estudo da matriz de impacto pela Eletronuclear em 2010, versão revisada em 2014 (a pedido da Eletronuclear) e já enviou novamente em 2016, versão atualizada do termo, porém, até o momento a Eletronuclear não apresentou Plano de Trabalho do estudo referente à matriz de impacto, segundo o MPF. 


Nesse contexto, foi proposto a execução de projeto Tekoa, elaborado em parceria por estudiosos do Museu do Índio e pelas próprias Comunidades Indígenas locais “em ação inovadora e que eleva os povos indígenas ao protagonismo das ações compensatórias que lhes atingirão, em reafirmação ao fim do regime tutelar que não mais vigora em nosso Estado Democrático e Pluriétnico de Direito”. 


Na ocasião, informou o MPF, a Funai se manifestou favorável à execução do Projeto Tekoa entendendo “pertinente como retomada do cumprimento das condicionantes referentes ao Processo de Licenciamento Ambiental das Usinas Angra 1 e 2 e; indagada quanto a se o projeto poderia ser executado diretamente pelas associações das comunidades indígenas locais, mediante treinamento e contratação de contador, informou que não há objeção desta Fundação da forma proposta de execução”. Porém, o projeto não saiu do papel. 


“O Projeto Tekoa foi realizado há quase dez anos, certamente está desatualizado em relação às reivindicações dos índios e possa, inclusive, ser ampliado. Entretanto, certamente pode ser utilizado como ponto de partida de debate, com respeito à consulta prévia informada”, considera o procurador da República. Em reunião com o Ibama em 29/04/2019, a Eletronuclear informou que “não executará o Projeto Tekoa, pois as ações demandadas não resguardam relações de causalidade com os impactos ambientais gerados pela Central Nuclear”. 


LEGADO - 


Com relação à eventual acidente nuclear severo (quando há comprometimento do vaso do núcleo do vaso do combustível, a exemplo do ocorrido em Fukushima), o procurador da República destaca que “infelizmente, no último dia 21 de julho de 2020 o cacique da Aldeia Sapukai, Domingos Venite, faleceu na Santa Casa de Angra dos Reis, vítima do coronavírus. Ressalto que o socorro à liderança indígena sofreu atraso, em virtude da inexistência, à época da internação, de veículo com tração nas quatro rodas disponível para auxílio médico indígena. Em perspectiva, se houve dificuldade para a remoção de um único indígena, quem dirá para o deslocamento de toda uma população, na hipótese de eventual acidente nuclear severo. A omissão estatal e de empreendedor custam vidas. O legado do cacique Domingos deve ser honrado e respeitado”. 


O Ministério Público Federal insiste que é inadmissível empreendedor não cumprir condicionantes socioambientais aos indígenas e os órgãos ambientais responsáveis permanecerem omissos em seu papel fiscalizatório ou mesmo punitivo. 


RECOMENDAÇÕES - 


Além dessas recomendações, o MPF também requer do Ibama, da Funai e do Município de Angra dos Reis (RJ) que, no prazo de 90 dias, exija da Eletronuclear esclarecimentos sobre o cumprimento das condicionantes, e seja observada, durante as tratativas para equacionamento das condicionantes para as comunidades indígenas, a consulta prévia e informada (Convenção n. 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra em 1989, promulgada no Brasil pelo Decreto n. 5.051/2004 e posteriormente consolidada pelo Decreto n. 10.088/2019) às populações tradicionais na realização de projetos em cumprimento das condicionantes socioambientais. 


Além disso, ao município de Angra, que não admita eventual argumento de paralisação das obras de Angra 3 para não execução das condicionantes socioambientais indígenas, já que as usinas Angra 1 e 2 estavam em pleno funcionamento, bem como com relação à Angra 3 a condicionante está prevista na licença prévia. 


PANDEMIA 


No começo deste mês, no contexto da pandemia de covid-19, o MPF e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP/RJ) expediram recomendação conjunta para orientar sobre série de medidas que deveriam ser adotadas para evitar propagação da doença entre indígenas, quilombolas e caiçaras na região. 


A recomendação concentrou-se na segurança alimentar de indígenas e quilombolas, bem como no fornecimento de água potável, restrição de acesso às comunidades e acesso à saúde, com testagem para a nova doença. Na ocasião, destacou-se a situação da aldeia Sapukai, a maior do Rio de Janeiro, que reúne 420 índios guarani, registrava em 1° de julho 44 casos confirmados de covid-19.


“O relatório técnico do Grupo de Estudos da Baía da Ilha Grande (GEBIG/IEAR/UFF) do Instituto de Educação de Angra dos Reis – Universidade Federal Fluminense demonstra que o coeficiente de incidência (casos confirmados/100.000 habitantes) de covid-19 da aldeia indígena Sapukai é 10,4 vezes maior em comparação ao restante do município de Angra dos Reis, o que reforça a gravidade da situação epidemiológica da aldeia Sapukai”, alertava a recomendação. 


NOTA PREFEITURA:


"Por parte da Prefeitura de Angra, no que diz respeito às medidas relacionadas aos indígenas, já existem ações em trânsito quanto à distribuição de cestas básicas pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Promoção da Cidadania, assim como o cartão de benefícios do Bolsa Família. Quanto à distribuição de água potável, a mesma é efetuada pela A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).

Também como medida preventiva, estamos efetuando a ida da Coordenação de Saúde Indígena em conjunto com representantes da Equipe de ESF e da SESAI à aldeia, para uma roda de conversa informativa sobre a COVID-19 e sobre a importância do Isolamento comunitário, que foi bem acatado pelos indígenas, que inclusive, fecharam a porteira de acesso à aldeia.

Já em relação à questão da saúde, especificamente quanto à Covid-19, estamos efetuando a notificação e testagem de todos os pacientes com Síndromes Gripais, utilizando os testes rápidos cedidos pela SMS e casos pactuados conforme protocolo da Nota Técnica NOTA TÉCNICA – SVS/SES-RJ Nº 28/2020 – O Swab, que é fornecido tanto pela SMS como pela SESAI. Existe uma proposta da APS em realizar a testagem em toda a aldeia, visto a interligação dos “Japyguá”.

Esta ação está em estudo e terá o apoio da Enfermeira Coordenadora Distrital. Também acompanhamos os indígenas com comorbidades para efetuarem a testagem. Como medidas emergências quanto à saúde, estamos realizando a testagem dos contactantes dos casos, o Isolamento no “Japyguá por núcleo familiar”, conforme acordado entre Equipe e Lideranças Comunitárias, monitoramento e busca ativa pela Equipe de Saúde dos casos e de possíveis novos casos, testagem dos indígenas com comorbidades que ainda não tenham sido testados, orientação quanto a não visitação dos parentes de outros “Japyguá”, contratação, em caráter emergencial, da médica clínica pela SESAI para atender à população Indígena em geral. 

Quanto às ações relacionadas aos quilombolas, estamos trabalhando a questão na ESF Bracuhy que corresponde a área de abrangência. Em relação aoscaiçaras, temos ações específicas de assistência e educativas para o quinto distrito (áreas de caiçaras que são atendidas pela ESF) e no quarto distrito (ESF Vila Histórica). De qualquer maneira, a testagem rápida está assegurada nas ESFs para as populações da aldeia, quilombolas e caiçaras. 

A Eletronuclear não divulgou nota até o fechamento da matéria. 

Foto – reprodução – Tv Rio Sul.


quinta-feira, 23 de julho de 2020

Angra 3: o caminho para a retomada das obras

O governo está batendo o martelo para a retomada das obras de Angra 3, em Angra dos Reis (RJ). A Eletrobras deverá publicar nesta sexta-feira (24/7), ou nos próximos dias, comunicado ao mercado sobre o Programa de Aceleração do Caminho Crítico - sequência de atividades que definem a duração total do projeto da usina nuclear. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já aprovou relatório formulado com base em estudos realizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que definiu um modelo jurídico e operacional para viabilizar o prosseguimento da construção. 

O empreendimento foi paralisado em 2015, por conta de denúncias de corrupção, na Operação Lava Jato. A resolução do ministro foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) nesta quarta-feira (22), com data retroativa de 10 de junho. A resolução assinada pelo ministro Paulo Guedes sugere que o plano de construção da usina siga com coordenação de um novo Comitê Interministerial Integrado pelo Ministério da Economia, Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e Ministério de Minas e Energia. 

O ato estabelece um prazo de 180 dias - prorrogáveis por igual período a contar de 7 de agosto de 2020 - para realização de novos trabalhos do comitê. 

Em comunicado divulgado esta semana, a Eletrobras informou que o conselho de administração da empresa aprovou adiantamento futuro de aumento de capital da subsidiária Eletronuclear, gestora das usinas, visando providências para a retomada das obras de Angra 3, que envolverá R$ 1,052 bilhão em 2020 e R$ 2,447 bilhões em 2021. 

EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS - 

Angra 3 já consumiu R$ 7 bilhões e precisa de outros R$ 14 bilhões para ser concluída. No ano passado, o valor gasto com a manutenção dos equipamentos em depósito de Angra 3 era de R$ 3 milhões por mês. Os equipamentos e serviços contratados no mercado nacional estavam sendo custeados por meio de financiamento obtido pela Eletronuclear junto ao BNDES, no valor de R$ 6,1 bilhões. O contrato foi assinado em fevereiro de 2011. Desse valor, a Eletronuclear já havia sacado R$ 2,7 bilhões, entre junho de 2011 e junho de 2015. Ao BNDES, a empresa pagava R$ 30,9 milhões por mês desde outubro de 2017. 

O financiamento para a aquisição de máquinas, equipamentos importados e serviços realizados no exterior advém de outro contrato entre a Eletronuclear e a Caixa Econômica Federal (CEF), no valor de R$ 3,8 bilhões, assinado em junho de 2013, tornando-se efetivo plenamente em julho de 2015.  Desse valor, foram retirados R$ 2,8 bilhões, entre junho de 2015 e julho de 2017.  À CEF, a empresa pagava R$ 24,7 milhões por mês desde julho de 2018. 

ESTUDO DA FGV – 

Em 2014, a Eletronuclear contratou a FGV Projetos, Fundação Getúlio Vargas, para avaliar os impactos socioeconômicos da construção de Angra 3. O estudo foi concluído em 2015. O efeito total do projeto orçado na época sobre o Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassava os R$ 10 bilhões. Em relação aos postos de trabalho gerados diretamente pelo projeto, conforme orçado, entre temporários e empregos permanentes, estavam em torno de 214 mil. Com isto, o total – incluindo indiretos e induzidos - ultrapassava 500 mil. 

O cronograma do ano passado já considerava o reinício das obras para junho de 2021, com a usina pronta em janeiro de 2026. Angra 3 terá 1.405 MW de potência. A usina faz parte do pacote do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, assinado pelo presidente da República, general Ernesto Geisel, em 27 de junho de 1975. Atualmente, estão sendo executadas atividades de preservação das instalações do canteiro de obras e das estruturas e equipamentos da usina. 

Segundo a Eletronuclear, quando Angra 3 entrar em operação, a geração da usina será suficiente para atender 4,45 milhões de pessoas.  Angra 3 tem cerca de 65% de suas obras civis concluídas. 

Foto: Condensador de Angra 3 - divulgação/acervo - Nuclep


quarta-feira, 22 de julho de 2020

Olga Simbalista faz balanço do setor nuclear, da privatização da Eletrobras, às obras de Angra 3

Uma mineira de Belo Horizonte, presença feminina rara no comando da energia nuclear nacional e internacional, a engenheira elétrica Olga Simbalista, conversa pela segunda vez com o BLOG, sobre vários temas que compõe a história brasileira do setor: da privatização da Eletrobras, às obras de Angra 3, fazendo análise sobre os efeitos da pandemia do coronavírus (COVID-19) no Brasil e no mundo. Diretora da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), nos últimos 21 anos; do Instituto Ilumina e do Board da American Nuclear Society, já recebeu doze prêmios por sua atuação na promoção dos direitos da mulher e, em 2014, e foi eleita Personalidade do Ano 2014 pela WEB da ONU. Com mestrado em engenharia nuclear, Olga Simbalista, comemora 41 anos de trabalho no setor. Recebeu também o Prêmio Full Energy de Personalidade do ano, em 2017, e, em 2018. Ela relembra as pressões norte-americanos, quando o Brasil assinou o acordo nuclear com a Alemanha, entre outras questões desafiadoras, como a solução para o armazenamento do lixo atômico. Eis a entrevista: 

BLOG: Há 45 anos o Brasil assinava o acordo nuclear com a Alemanha. O acordo previa a construção de oito usinas e a implementação de algumas empresas, que não foram adiante. Previa também o enriquecimento de urânio pelo método “Jet nozzle”, que a Alemanha sequer dominava. Qual a análise que a senhora faz hoje do acordo como um todo, o pacote? 

OLGA SIMBALISTA: O Acordo Brasil-Alemanha foi concebido em um contexto de um Brasil que apresentava crescimento econômico a taxas de dois dígitos e o consumo de eletricidade a taxas ainda maiores. O país era visto no exterior como uma economia pujante a exigir fontes de energia, tanto de petróleo, quanto de eletricidade, abundantes. O planejamento de então do setor elétrico, o Plano 90 da Eletrobrás indicava a necessidade de, no mínimo, quatro plantas nucleares da ordem de 1.000 MW. 

BLOG: Tinha a ver com a busca da soberania...

OLGA:  Sim. Tal cenário, associado ao projeto estratégico de soberania de Estado de dominar a tecnologia nuclear, embasaram a assinatura do acordo para a transferência de tecnologia de usinas nucleares e do ciclo completo do seu combustível. Primeiramente foi tentado junto aos Estados Unidos e França, mas só conseguiu ser concretizado com a Alemanha. A mídia mundial denominou-o de Acordo do Século. Os contratos para cada segmento/empresa vinham cobertos por linhas de crédito alemãs a taxas muito atrativas e de contratos de transferência de tecnologia. 

BLOG: E a crise do petróleo... 

OLGA: A implementação dos projetos foi iniciada, em praticamente todas as frentes, em ritmos normais, até que o mundo foi surpreendido pelo segundo choque do petróleo que sacudiu todos os países não produtores deste insumo, principalmente o Brasil, à época grande importador. As taxas de juros disparam, a dívida externa do país e o custo das importações de petróleo também e contratos de financiamento em moedas estrangeiras passaram a ser usados para cobrir estes rombos. Era o início da famosa década perdida de 1980, que acabou por impactar todas as frentes do Programa Nuclear Brasileiro. Os projetos que já se encontravam em fase final de implantação, como o PRONUCLEAR de formação de mão de obra altamente qualificada junto a Universidades brasileiras e empresas alemãs, a fábrica de equipamentos pesados NUCLEP, em Itaguaí, a Empresa de engenharia NUCLEN no Rio de Janeiro e Alemanha, a etapa de montagem dos elementos combustíveis na Fábrica de Elementos Combustíveis FEC, em Resende, o programa da Nuclebrás de prospecção e descoberta de reservas de urânio, a implantação Mina e da fábrica de concentrado de urânio/yellow kaque, em Poços de Caldas e a Nuclemon, já nacional, praticamente, não sofreram solução de continuidade. 

BLOG: Mas a usina de Angra 2, vinha sendo construída dentro do cronograma. 

OLGA: E já sofrera o impacto do questionamento da CNEN, no âmbito de seu licenciamento, com relação à necessidade de se construir estacas em suas fundações, resultando em paralisação por mais de dois anos e consequente aumento de custos diretos e financeiros, que, ao longo da década de 80, acabou resultando na extinção da Nuclebrás e no esfacelamento e/ou no atraso de vários projetos. Angra 2 foi paralisada e só retomada em 1997, quando da criação da Eletronuclear e concluída em 2001, a tempo de salvar o país dos cortes de eletricidade, no período de racionamento, então vivenciado. A recessão vivida pelo país, a exploração de novos potenciais hidrelétricos, principalmente na região Norte do país, bem como o aumento dos custos das nucleares, devido às taxas de juros e de câmbio, fizeram com que as usinas nucleares deixassem de ser competitivas em comparação com as plantas hidráulicas.

BLOG: Gostaria que falasse sobre o fracasso do processo de enriquecimento que estava no acordo. 

OLGA: No que se refere ao projeto de enriquecimento isotópico, pelo “jetnozzle”, ele se encontrava em estágio avançado de implantação na NUCLEI, em Resende, mas também foi paralisado por falta de recursos financeiros. Deve-se ressaltar que o Brasil negociara com a Alemanha o processo de enriquecimento pela ultracentrifugação, muito mais econômico e de implantação mais rápida, mas o sócio holandês da Alemanha no processo, dizem, que por pressão americana, não permitiu tal transferência. Na ocasião, a Alemanha dispunha do desenvolvimento de um processo próprio, em nível de demonstração, e propôs o seu desenvolvimento conjunto no Brasil, através de uma empresa, a NUCLEI, da qual foi, inclusive, sócia. Dispor de um parque de usinas, fazendo uso de urânio enriquecido e com um ciclo do combustível sem o enriquecimento, teria sido um contrassenso. 

BLOG: Fato é que gerou um atraso...

OLGA: Infelizmente, o Acordo não pode ser concluído como o previsto, pois o país como um todo foi muito fragilizado pela crise e levou quase duas décadas para se recuperar. Porém, muitas realizações podem ser elencadas, tendo sido criada uma massa crítica de extrema competência em praticamente todos os setores da tecnologia nuclear e que acabaram por irrigar vários Institutos de Pesquisas, empresas de engenharia nacional, bem como a indústria nacional, com programas de transferência de tecnologia e técnicas de controle e garantia de qualidade, além da transferência de algumas tecnologias para o então denominado Programa Paralelo, que conseguiu dominar a tão desejada tecnologia de enriquecimento pela ultracentrifugação e que hoje está implantada industrialmente nas instalações da antiga NULEI, junto à atual INB (Indústrias Nucleares do Brasil). A despeito de lacunas não preenchidas do Acordo, o país, ainda assim, conseguiu grandes ganhos. Este é o meu ponto de vista

BLOG: Naquela época, o acordo serviu como uma espécie de “libertação” (autonomia) do Brasil em relação aos Estados Unidos, que venderam Angra 1, mas não quiserem repassar o combustível, comprado depois da África do Sul. Coma a senhora analisa que o Brasil fez a compra de Angra 1 sem avaliar esses impactos? 

OLGA: A cronologia não foi bem assim, pois os Estados Unidos venderam Angra 1, ainda nos anos de 1970, incluindo o fornecimento do seu combustível, enriquecido em cerca de 3,5%. O Acordo com a República Federal da Alemanha só foi assinado depois disso e o Brasil, como mencionado no item anterior, tentou, primeiramente, um acordo com os Estados Unidos, mas sem sucesso, exatamente por já dispor de Angra 1, comprada sem transferência de tecnologia, por meio de um contrato “Turn Key”. Com a assinatura do Acordo alemão, o governo americano que pressionara, sem êxito, a Alemanha para não assinar, decretou o boicote ao fornecimento das recargas de Angra 1, que já possuía o núcleo inicial de fabricação Westinhouse, no Governo Jimmy Carter, em 1978. Para contornar o enorme problema, foi acordado com a Alemanha a fabricação das recargas de Angra 1, a despeito de ser um combustível um pouco diferente dos alemães e que, portanto, deveria ser desenvolvido e comissionado, tendo tudo ocorrido com sucesso e a montagem final das recargas realizas na fábrica de Resende. Mais um grande fruto do Acordo, na minha opinião. 

BLOG: Há um ditado popular que diz que se aprende com os erros. Quais os principais erros ou equívocos praticados pelo Brasil na época do acordo com a Alemanha? 

OLGA: Eu não classificaria como erros as ações de então, pois foram problemas eminentemente conjunturais, de origem externa ao país. Talvez a adoção do racionamento de combustíveis fósseis, desde o primeiro choque do petróleo, e o início do projeto de prospecção no mar, pela Petrobrás, tivessem levado a um desfecho menos traumático. No caso do setor nuclear, talvez, ter paralisado despesas com Angra 3, logo em seguida, e desviado recursos para Angra 2, bem como de outros projetos ainda no início, mas os tomadores de decisão, à época, não podiam prever que a crise fosse tão duradoura e tão profunda. 

BLOG: E os acertos? 

OLGA: Os acertos foram muitos, como também já descritos na primeira questão, que se tornou muito longa para que se entendesse a complexidade da problemática da etapa de enriquecimento isotópico e do por que dos acertos do Programa para o País. 

BLOG: Angra 3 foi comprada pelo acordo Brasil Alemanha e até hoje, por indefinição política e problemas de corrupção, segundo a operação Lava Jato (amplamente divulgados) a usina tem 62% de suas obras concluídas, mas ainda enfrenta muitos entraves, como a falta de recursos. A senhora acha que a usina deve ser concluída? Por quê? 

OLGA: Também, conforme descrito na primeira questão, Angra 3 foi paralisada por questões financeiras na década de 1980 e só teve autorização para sua retomada em 2010, com suas obras iniciadas em 2013 e, novamente, paralisada, em 2015, por questões de corrupção, envolvendo quatro de seu dirigentes e alguns gerentes de primeiro escalão. Estudos, envolvendo vários ministérios, empresas, bancos e consultorias, foram concluídos e indicam a viabilidades da conclusão do empreendimento por diversas razões de caráter técnico, energético, elétrico, estratégico e econômico-financeiro. 

BLOG: A Eletrobras acaba de aprovar a concessão de Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (AFAC) para a Eletronuclear em 2020 e 2021, nos valores respectivos, de cerca de R$ 1.052 milhão e R$ 2.447 milhões, destinados a aceleração das providências para a retomada das obras de construção de Angra 3. Segundo a Eletrobras, os recursos já estavam previstos nos investimentos estimados no Plano Diretor de Negócios e Gestão para o período de 2020 e 2024. Qual a sua avaliação? 

OLGA: Os estudos governamentais que balizam a retomada do empreendimento sugerem o uso de financiamentos da holding Eletrobras para concluir as atividades anteriores à contratação de empresa de engenharia, construção e montagem, que deverá acontecer em 2023. Tais financiamentos da Eletrobras já se encontram aprovados por seu Conselho de Administração, conforme Fato Relevante publicado em 29 de junho de 2020. Os demais recursos deverão ser contratados junto a bancos, nacionais ou estrangeiros, ou até mesmo obtidos do contratado, que poderia ter como garantia parte da receita operacional de Angra 3. 

BLOG: Ouvimos a senhora mencionando recentemente sobre as perdas, caso a obra seja paralisada...

OLGA: A minha opinião pessoal é totalmente favorável à conclusão dessa planta, não só pelos aspectos mencionados no parágrafo anterior, mas também por considerar que o abandono do empreendimento resultaria em desembolsos antecipados, pela Eletronuclear, da ordem de R$ 12 bilhões, relativos a multas contratuais de liquidação antecipada de contratos de financiamento e de fornecimento de bens e serviços, desmobilização do canteiro de obras, renúncias fiscais, compensações socioambientais, dentre outras. O pagamento de tais cifras levaria a Eletronuclear à falência/extinção, com consequências também de contaminação da Eletrobras, por “cross default”.  A ausência da Eletronuclear do Programa Nuclear Brasileiro traria reflexos, devido ao seu peso específico e às suas externalidades, em outros segmentos. 

BLOG: Quais? 

OLGA: A produção de 2000 MW, na base do sistema, com o menor custo de despacho térmico, implicando em um aumento de tarifa com as saídas de Angra 1 e Angra 2; desativação de grande parte das atividades da CNEN nas atividades de licenciamento e segurança nuclear; extinção de, praticamente, 95% da demanda da INB, levando à sua insolvência; diminuição da demanda da Nuclep, com reflexos na sua rentabilidade/viabilidade; diminuição da demanda do programa de propulsão naval, diminuindo a competitividade da NUCLEP e da Amazul; grande diminuição na demanda de serviços, insumos e pesquisas de, praticamente, seis Institutos de pesquisas da CNEN, bem como de 14 Universidades que desenvolvem atividades diretamente relacionadas ao setor nuclear. E ainda, grande impacto nas atividades de salvaguardas, principalmente, no que se refere à ABACC (Agencia de controle argentina), com graves impactos no atual saudável relacionamento entre Brasil e Argentina; perda de massa crítica nas atividades de controle e garantia da qualidade, com possibilidade da inviabilização do Instituto Brasileiro Qualidade Nuclear e, finalmente, o mais importante na minha opinião; e perda de credibilidade da opção nuclear, como importante e estratégica fonte de energia limpa para o futuro da nação. 

BLOG: A própria Eletrobras, em investigação interna, apurou que houve corrupção e desvio de verbas públicas na gestão de Angra 3, em 2015/2016, quando presidia a Eletronuclear, o almirante Othon Luiz Pinheiro. A senhora acredita que um empreendimento do porte e da grandeza de Angra 3 precisaria de uma comissão para acompanhar a correção da aplicação do dinheiro público? Essa malversação do dinheiro público pode ter ocorrido por falta de maior fiscalização? 

OLGA: As investigações do Ministério Público levadas ao Judiciário, com o apoio da Eletronuclear, indicaram a ocorrência de irregularidades/corrupções, desde a autorização da retomada do empreendimento até o início de 2015. Esse processo vem sendo conduzido pelas autoridades competentes do Ministério Público e do Judiciário, com total suporte da Eletronuclear, Eletrobrás e do Ministério de Minas e Energia. Possivelmente, uma maior fiscalização, talvez, pudesse ter contribuído para uma melhor e correta aplicação do dinheiro público, mas não devemos nos esquecer que, à época, a prática de malversação estava passando pela Petrobrás e, neste contexto, talvez a Eletronuclear parecesse um subproduto que não levaria quer à curiosidade, nem às investigações em profundidade desde então realizadas. No entanto, o MP estava atento. 

BLOG: Voltando a Angra 3, a pandemia do coronavírus (COVID-19) poderá afetar investimentos na usina? O Brasil está sendo penalizado no exterior por conta da postura do governo em relação ao combate ao COVID-19. Como a senhora analisa esse problema? 

OLGA: A pandemia é algo que não estava no planejamento/previsões de ninguém e de nenhum País no nosso Planeta. Sabemos que suas consequências serão muito grandes em quase todos os setores, com perdas e prejuízos, mas não se consegue ainda quantificar sua profundidade e alcance. No entanto, dois fatores, ainda não quantificados, podem ter impacto em Angra 3. E são: a diminuição no consumo de eletricidade com reflexos para todo o setor elétrico, bem como no seu plano de expansão. Entretanto, dados recentes do Operador Nacional do Sistema (ONS) indicam uma retomada do consumo, a partir de maio e uma redução da ordem de apenas 5%, contra uma previsão inicial de até 20%. Outro fator seria a forte influência da variação da taxa cambial no orçamento da conclusão do empreendimento, já que cerca 35% deste são em moeda estrangeira, notadamente em Euro. Entretanto, a decisão do PPI já leva em consideração tais fatos. 

BLOG: O Brasil domina o ciclo do combustível desde 1988 e há alguns anos, com tecnologia da Marinha, enriquece urânio em Rezende, em unidade da Indústria Nucleares do Brasil (INB). Mas uma parte dessa operação ainda é feita no exterior. Porque permanece dependente nessa área? 

OLGA: A dependência de que parte destes serviços sejam realizadas no exterior ocorre porque o parque industrial da INB ainda não dispõe da totalidade das instalações necessárias para cobrir a demanda, mas, paulatinamente, novas cascatas de enriquecimento estão sendo implantadas para, no futuro atender toda a demanda, pois o mais importante, a tecnologia, já dominamos. BLOG: O Brasil planeja construir quatro usinas nucelares no Nordeste. Comunidades locais rejeitam a ideia. O que a senhora acha disso? O Nordeste precisa mesmo das usinas? Por quê? 

OLGA: O Plano Plurianual de Expansão 2030 da Eletrobras previa a instalação de até quatro novas usinas nucleares, além de Angra 3, até aquela data. Estudos realizados pela Eletronuclear, àquela ocasião, indicavam que as duas regiões candidatas a receber tais plantas seriam o Nordeste e o Sudeste. O ritmo de crescimento da demanda àquela ocasião, bem como a paralisação, por questões ambientais, dos aproveitamentos do rio Tapajós, tornava evidente a necessidade de tais usinas.

BLOG: Mas setores da sociedade civil têm se manifestado contra... 

OLGA: Com relação à opinião pública da microrregião nordestina candidata a receber tais usinas, nos dois últimos anos, foram realizadas várias iniciativas de fornecimento de informações às suas populações, contando com lideranças políticas de Pernambuco, da Academia de Engenharia, universidades e institutos de pesquisas, com resultados extremamente promissores, segundo levantamento de opinião já realizado. 

BLOG: Como a senhora analisa a situação brasileira em relação ao armazenamento do combustível usado e do lixo atômico produzido nas instalações brasileiras? A Eletronuclear está construindo a UAS (Unidade de Armazenamento a Seco) que deve ficar pronta em 2021.  O que acha do empreendimento. Terá capacidade para armazenar durante 25 anos. E depois? 

OLGA: Em relação ao armazenamento do combustível usado e dos resíduos de baixa e média atividades, o protocolo brasileiro está coberto por todas as medidas de proteção e de segurança, dentro dos padrões internacionais, certificados pela CNEN, bem como pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A construção de unidades de armazenamento do combustível irradiado a seco é uma tecnologia muito eficiente e adotada na maioria dos países que fazem uso da geração núcleo elétrica, em particular nos EUA, em suas mais de 100 usinas nucleares em operação ou descomissionadas. Depois de suas vidas úteis este material poderá ser transportado para grandes depósitos a seco, como também já se faz em diversos outros locais com segurança. 

BLOG: Lixo atômico ainda é um desafio para o Brasil? Por quê? 

OLGA: Os resíduos radioativos de alta intensidade (combustível nuclear irradiado/usado) costumam ser questionados pelo público leigo e entidades ditas ambientalistas, devido ao grande tempo requerido para que deixem de emitir radiações que possam comprometer o ambiente, período este da ordem de mil anos. As instalações existentes para a sua guarda são feitas em locais profundos, que disponham de geologia estável e normalmente granítica, onde podem permanecer, se necessário, por milhares de anos, pois suas integridades seriam superiores às das grandes pirâmides do Egito, de longevidade e conservação inferiores. Porém, a construção de tais instalações, do ponto de vista econômico, só se torna realística, quando se dispõe de grades quantidades de material e se faz uso do reprocessamento do combustível usado. 

BLOG: O Brasil está atrasado em relação a construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) para a produção de radioisótopos. Até a Argentina está mais adiantada. Por que estamos tão atrasados e ainda dependem0os da importação? Faltam recursos ou decisão política? 

OLGA: O Brasil já produz parte dos radioisótopos usados na medicina nuclear, principalmente em diversos Institutos de Pesquisas, principalmente os da CNEN, e até em alguns poucos hospitais, destacando-se como a maior produção aquela do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN, porém grande parcela ainda é importada, mas deixará de sê-lo, quando o RMB, usando um projeto básico argentino, estiver operacional. O RMB está com seu detalhamento sendo realizado principalmente pela Amazul e está licenciando suas instalações em uma área próxima a ARAMAR, em Iperó, São Paulo. 

BLOG: O Brasil planeja construir seu primeiro submarino nuclear há 40 anos. O projeto está sendo desenvolvido pela Amazul e Nuclep. Por falta de verbas, também caminha em passos lentos. O que a senhora pode dizer sobre isso? 

OLGA: O programa do submarino nuclear não está no ritmo planejado originalmente, mas já apresenta enormes conquistas que podem ser vistas, em sua plenitude, no Centro Tecnológico da Marinha, em Iperó. 

BLOG: Quais? 

OLGA: Todas as etapas sensíveis do ciclo do combustíveis já implantadas e em operação, com tecnologia própria; o edifício do reator do protótipo em terra e o edifício da turbina do submarino nuclear em estágios avançados; diversos laboratórios tecnológicos de suporte em operação; oficinas de várias naturezas, com processos tecnológicos sofisticados; um grande edifício em condições de extrema limpeza para procedimentos que requeiram tal ambiente; um simulador do reator com operadores treinados, dentre outros. Ou seja, todo um conjunto de maravilhosas realizações que, infelizmente, são quase totalmente desconhecidas por nossa população. A Amazul, por meio de desenvolvimento de atividades sensíveis de engenharia e de mão de obra especializada, a Nuclep, por meio da fabricação de componentes pesados e outras empresas nacionais de engenharia e institutos de pesquisas fornecem um suporte importante ao projeto, mas o cerne das atividades sensíveis está em ARAMAR. 

BLOG: A senhora acompanha o desenvolvimento do quadro técnico da energia nuclear? Como está esse perfil tecnológico de pessoas?

OLGA: O quadro técnico do setor nuclear brasileiro, juntamente com o da Petrobrás, apresenta uma qualificação fantástica, em que pese os setores de geração nuclear e seu ciclo do combustível terem sofrido grandes perdas de pessoal altamente qualificado e treinado no exterior, devido às décadas de quase paralisação de sua expansão. Atualmente o setor dispõe de vários Centros de Pesquisas, principalmente os da CNEN, que também formam mestres e doutores em várias áreas de conhecimento do setor, já temos dois cursos de graduação em energia nuclear, um no Rio de Janeiro, com várias turmas formadas, e um em São Paulo que vai iniciar suas atividades já em 2021. Por outro lado, em 2013, foi criada a Amazonas Azul (Amazul), estatal que tem como principal atribuição deter e desenvolver conhecimentos sensíveis do setor, tendo, atualmente, uma força de trabalho de mais de 1.800 profissionais de elevado nível e uma diretoria específica de Gestão do Conhecimento para gestão estratégica do conhecimento tecnológico do setor. 

BLOG: O que acha do desmembramento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN): execução, regulação e fiscalização separados? 

OLGA: A separação das atividades de regulação, fiscalização e licenciamento - típicas de uma agência reguladora - daquelas operacionais e, por isso, também sujeitas às mesmas regulações, fiscalizações e licenciamentos, é tendência quase mundial e o Brasil já se comprometeu, junto à AIEA a implementá-la há algum tempo. Propostas de projeto neste sentido já foram apresentadas, havendo agora uma em elaboração. Os primeiros passos nesta direção foram dados em 2019, com as retiradas da INB e da NUCLEP do controle empresarial da CNEN, passando-as para o Ministério de Minas e Energia (MME). 

BLOG: E da privatização da Eletrobras? 

OLGA: A privatização da Eletrobras foi anunciada pelo Ministério da Economia como uma forma de diminuição do déficit público. Na prática, o que se anuncia não é uma privatização propriamente dita, mas a venda, no mercado de ações, do seu controle acionário. É uma questão que divide muito os membros do setor, principalmente agora, no contexto pós pandemia, quando se espera uma participação mais intensa da União em setores estratégicos. 

BLOG: Tudo está definido neste sentido? 

OLGA: Esta venda do controle acionário da Eletrobras não deveria ser feita sem que se definam as seguintes questões: o futuro da questão tarifária da Itaipu Binacional, modificando ou não o Anexo C do Tratado entre o Brasil e o Paraguai, após 2023, quando se encerra o pagamento de suas dívidas com a Eletrobrás; o valor do seu sistema de transmissão, face à iminente implantação da tecnologia 5G, para a qual o uso de tal malha terá um valor hoje não contabilizado e provavelmente muito grande; e a diluição de custos não apropriados do setor nuclear aos atuais acionistas privados e minoritários da Eletrobras. 

BLOG: E quando a Nuclep? 

OLGA: Não tenho informações sobre as avaliações, mas, pessoalmente, creio que ela é estratégica para o país e que não seria conveniente vendê-la para um proprietário estrangeiro, mas precisaria fazer melhor avaliação. Em 1988, quando da extinção da Nuclebrás, pensou-se em privatizá-la, mas não me recordo dos motivos da não realização. 

BLOG: O que acha da parceria da iniciativa privada nas minas de urânio e em todo o setor mineral de material radioativo no Brasil? 

OLGA: Creio que é uma forma de viabilizar o melhor aproveitamento de nossas reservas, expandindo a prospecção e estudos geológicos, que se encontram paralisados desde o início dos anos de 1980 e contemplam apenas um terço do território nacional. Sei que a proposta está sendo estudada, inclusive do ponto de vista estratégico, mas desconheço a sua abrangência.  

BLOG: Como analisa o futuro da energia nuclear no Brasil? Será afetado pela pandemia do COVID-19? De que forma? 

OLGA: Mais cedo ou mais tarde, o Brasil vai precisar da energia nuclear em praticamente todas as suas formas e aplicações, inclusive da medicina nuclear.  As consequências da pandemia já foram abordadas na resposta à retomada de Angra 3, com relação aos riscos. Não podem ainda ser quantificadas em sua profundidade e abrangência.


terça-feira, 21 de julho de 2020

Angra 2: oxidação (ferrugem) excessiva em tubos com pastilhas de urânio está sendo investigada.


Especialistas nacionais e internacionais ainda não descobriram o que provocou uma oxidação excessiva (ferrugem) nos tubos com pastilhas de urânio enriquecido, para o reator de Angra 2, que adiará o retorno da usina ao Sistema Interligado Nacional (SIN). A usina foi desligada no dia 22/6 para a substituição de um terço dos elementos combustível do núcleo do reator, além de manutenção de equipamentos. 

Como apenas um terço dos elementos é substituído, a maior parte desse material retorna ao núcleo do reator para mais um ciclo de operação. Gestora das usinas, a Eletronuclear informou ao Blog que foi, justamente nesse processo de inspeção, que se verificou a oxidação um pouco maior nos elementos combustíveis carregados na última parada da central nuclear, realizada há treze meses. 

“Essa oxidação ocorre nos tubos feitos de uma liga de zircaloy que contém as pastilhas de dióxido de urânio. Não se trata de nenhum tipo de acidente, mas um evento operacional que necessita ser investigado. Os metais têm a característica de oxidarem na presença do oxigênio, sendo que ferrugem é o processo indesejável de oxidação do ferro”, admitiu a Eletronuclear. Segundo a empresa, nas ligas de zircaloy, a oxidação é esperada e, até um certo nível, benéfica. Nas condições de alta temperatura e pressão do vaso do reator, a liga de zircaloy passa por um processo de oxidação que resulta na formação de um óxido resistente na superfície do tubo. Essa oxidação é desejável, pois ajuda a proteger o próprio tubo, informou.  Mas o que chamou a atenção dos técnicos foi o aumento da oxidação acima do esperado. 

A empresa garante que tudo está sob controle e que não há riscos: “Isso não representa nem representou qualquer risco à segurança da usina durante o último ciclo operacional. Angra 2 possui sistemas de segurança e procedimentos operacionais capazes de detectar qualquer comportamento anormal dos elementos combustíveis. Quanto à possibilidade de um aumento da concentração de hidrogênio, esse parâmetro faz parte da especificação técnica operacional da usina e é monitorado continuamente”. 

A Eletronuclear esclarece que, de acordo com os procedimentos operacionais da usina, está analisando todos parâmetros para identificar qual foi o fator (ou fatores) que contribuiu para essa oxidação excessiva. Além disso, especialistas nacionais e estrangeiros foram chamados pela empresa para estudar o fenômeno e verificar a possibilidade do retorno destes elementos combustíveis ao núcleo para mais um ciclo operacional. 

Os elementos combustíveis são fabricados pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em Resende (RJ). Segundo a Eletronuclear, a liga de zircaloy é altamente segura e utilizada em todas as usinas nucleares do mundo, incluindo as brasileiras, reunindo milhões de horas de operação com total eficiência. A empresa ainda não tem estimativas sobre os prejuízos causados pelo problema. A INB informou que está apurando as causas do excesso de oxidação e que tudo será informado “em momento oportuno”.

PARTE DO ACORDO - 

Angra 2 foi desligada em abril do ano passado para a troca do combustível. O valor de cada carga transportada (combustível mais contêiner) foi de R$ 70 milhões.  

Quando funciona 100% sincronizada ao sistema, Angra 2 produz cerca de 1.300 MW, o equivalente a aproximadamente 20% da energia consumida na cidade do Rio de Janeiro. Essa energia, porém, é distribuída, para a Região Sudeste. Angra 2 é a primeira de uma série de oito usinas previstas no pacote do Acordo Brasil-Alemanha, assinado pelo general Ernesto Geisel, em 27 de junho de 1975.  Em construção em 1976 para entrar em operação em 1982, depois de uma série de atrasos, começou a operar em 2001.

FOTO: ANGRA 2 - DIVULGAÇÃO - ELETRONUCLEAR

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Angra 1 e Angra 2: desligadas; deixam de gerar energia elétrica para o Sistema Interligado Nacional (SIN). Angra 1 foi reconectada. E Angra 2?


Uma falha na bomba de água do circuito secundário (não nuclear) da usina Angra 1, em Angra dos Reis (RJ), fez com que o sistema de segurança desligasse a unidade, "preventivamente", às 12h44, de quinta-feira (10/07). Angra 1 foi reconectada ao Sistema Interligado Nacional (SIN) sexta-feira (11/07), às 01h30, segundo a Eletronuclear, gestora das centrais nucleares. Durante esse tempo, deixaram de gerar energia elétrica para o SIN, porque Angra 2 também está desligada. 

Angra 2 foi desligada no dia 22 de junho para a troca de combustível (urânio enriquecido) e deveria retornar ao sistema elétrico este mês de julho, mas isso não será possível. Durante inspeção foi detectada “uma oxidação inesperada no revestimento dos tubos que contém as pastilhas de urânio enriquecido”, nos elementos combustíveis carregados no último ciclo. O combustível é produzido pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (UNB), com participação da Urenco (consorcio de empresas da Inglaterra, Holanda e Alemanha, criado para enriquecer urânio.  

Foto: Central Nuclear Angra dos Reis - Divulgação - Eletronuclear

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Angra 2: Eletronuclear confirma "oxidação inesperada no revestimento dos tubos" que contém pastilhas de urânio enriquecido


A Eletronuclear confirmou há pouco a informação divulgada pelo BLOG, nesta sexta-feira (10/7), sobre problemas ocorridos durante o reabastecimento de combustível (urânio enriquecido), em Angra 2, desligada no dia 22/6. Segundo a estatal, na inspeção foi detectada, “nos elementos combustíveis carregados no último ciclo, uma oxidação inesperada no revestimento dos tubos que contém as pastilhas de urânio enriquecido”. 

Serão necessários testes adicionais. Por isso, haverá atraso no religamento da unidade, previsto agora para o próximo mês. Os elementos combustíveis são fabricados pela Indústria Nucleares do Brasil (INB), mas uma de suas fases ainda é feita pela Urenco (consórcio de empresas da Inglaterra, Holanda e Alemanha, criado para enriquecer urânio). 

“Os testes serão realizados pela empresa responsável pelo projeto da usina, e a Eletronuclear aguarda a chegada dos equipamentos necessários e dos técnicos estrangeiros à central nuclear já na próxima semana”, informou a estatal. O objetivo é “determinar as causas da oxidação e verificar a viabilidade da utilização destes elementos combustíveis por mais um ciclo operacional, conforme planejado”, acrescentou. 

A estatal classificou o caso de “incidente” e garantiu que em nenhum momento, comprometeu a segurança e o desempenho de Angra 2, que operou continuamente por 13 meses, tendo inclusive batido seu próprio recorde de produção no último dia 19, com a marca de 200 milhões de MWh gerados desde 2001”. 

Segundo a Eletronuclear, a parada de reabastecimento que está em curso – o maior trabalho de manutenção realizado no país durante a pandemia do covid-19 -  tem transcorrido normalmente graças às medidas preventivas adotadas pela empresa. Não foram mencionados os custos adicionais que terão de ser pagos por conta do problema.

Foto: Angra 2 - Divulgação Eletronuclear