Uma mineira de Belo Horizonte, presença
feminina rara no comando da energia nuclear nacional e internacional, a
engenheira elétrica Olga Simbalista, conversa pela segunda vez com o BLOG,
sobre vários temas que compõe a história brasileira do setor: da privatização
da Eletrobras, às obras de Angra 3, fazendo análise sobre os efeitos da pandemia
do coronavírus (COVID-19) no Brasil e no mundo. Diretora da Associação Brasileira
de Energia Nuclear (ABEN), nos últimos 21 anos; do Instituto Ilumina e do
Board
da American Nuclear Society, já recebeu doze prêmios por sua atuação na
promoção dos direitos da mulher e, em 2014, e foi eleita Personalidade do Ano
2014 pela WEB da ONU. Com mestrado em engenharia nuclear, Olga Simbalista, comemora
41 anos de trabalho no setor. Recebeu também o Prêmio Full Energy de
Personalidade do ano, em 2017, e, em 2018. Ela relembra as pressões norte-americanos,
quando o Brasil assinou o acordo nuclear com a Alemanha, entre outras questões desafiadoras,
como a solução para o armazenamento do lixo atômico. Eis a entrevista:
BLOG:
Há 45 anos o Brasil assinava o acordo nuclear com a Alemanha. O acordo previa a
construção de oito usinas e a implementação de algumas empresas, que não foram
adiante. Previa também o enriquecimento de urânio pelo método “Jet nozzle”, que
a Alemanha sequer dominava. Qual a análise que a senhora faz hoje do acordo
como um todo, o pacote?
OLGA SIMBALISTA: O Acordo Brasil-Alemanha foi concebido em um contexto de um Brasil que
apresentava crescimento econômico a taxas de dois dígitos e o consumo de
eletricidade a taxas ainda maiores. O país era visto no exterior como uma
economia pujante a exigir fontes de energia, tanto de petróleo, quanto de
eletricidade, abundantes. O planejamento de então do setor elétrico, o Plano 90
da Eletrobrás indicava a necessidade de, no mínimo, quatro plantas nucleares da
ordem de 1.000 MW.
BLOG: Tinha a ver com a busca da soberania...
OLGA: Sim. Tal cenário, associado ao projeto estratégico
de soberania de Estado de dominar a tecnologia nuclear, embasaram a assinatura
do acordo para a transferência de tecnologia de usinas nucleares e do ciclo
completo do seu combustível. Primeiramente foi tentado junto aos Estados Unidos
e França, mas só conseguiu ser concretizado com a Alemanha. A mídia mundial
denominou-o de Acordo do Século. Os contratos para cada segmento/empresa vinham
cobertos por linhas de crédito alemãs a taxas muito atrativas e de contratos de
transferência de tecnologia.
BLOG: E a crise do petróleo...
OLGA:
A implementação dos projetos foi iniciada, em praticamente todas as frentes, em
ritmos normais, até que o mundo foi surpreendido pelo segundo choque do
petróleo que sacudiu todos os países não produtores deste insumo,
principalmente o Brasil, à época grande importador. As taxas de juros disparam,
a dívida externa do país e o custo das importações de petróleo também e
contratos de financiamento em moedas estrangeiras passaram a ser usados para
cobrir estes rombos. Era o início da famosa década perdida de 1980, que acabou
por impactar todas as frentes do Programa Nuclear Brasileiro. Os projetos que
já se encontravam em fase final de implantação, como o PRONUCLEAR de formação
de mão de obra altamente qualificada junto a Universidades brasileiras e empresas
alemãs, a fábrica de equipamentos pesados NUCLEP, em Itaguaí, a Empresa de
engenharia NUCLEN no Rio de Janeiro e Alemanha, a etapa de montagem dos
elementos combustíveis na Fábrica de Elementos Combustíveis FEC, em Resende, o
programa da Nuclebrás de prospecção e descoberta de reservas de urânio, a
implantação Mina e da fábrica de concentrado de urânio/yellow kaque, em Poços
de Caldas e a Nuclemon, já nacional, praticamente, não sofreram solução de
continuidade.
BLOG: Mas a usina de Angra 2, vinha sendo construída
dentro do cronograma.
OLGA: E já sofrera o impacto do questionamento da
CNEN, no âmbito de seu licenciamento, com relação à necessidade de se construir
estacas em suas fundações, resultando em paralisação por mais de dois anos e
consequente aumento de custos diretos e financeiros, que, ao longo da década de
80, acabou resultando na extinção da Nuclebrás e no esfacelamento e/ou no
atraso de vários projetos. Angra 2 foi paralisada e só retomada em 1997, quando
da criação da Eletronuclear e concluída em 2001, a tempo de salvar o país dos
cortes de eletricidade, no período de racionamento, então vivenciado. A
recessão vivida pelo país, a exploração de novos potenciais hidrelétricos,
principalmente na região Norte do país, bem como o aumento dos custos das nucleares,
devido às taxas de juros e de câmbio, fizeram com que as usinas nucleares
deixassem de ser competitivas em comparação com as plantas hidráulicas.
BLOG:
Gostaria que falasse sobre o fracasso do processo de enriquecimento que estava
no acordo.
OLGA: No que se refere ao projeto de enriquecimento
isotópico, pelo “jetnozzle”, ele se encontrava em estágio avançado de
implantação na NUCLEI, em Resende, mas também foi paralisado por falta de
recursos financeiros. Deve-se ressaltar que o Brasil negociara com a Alemanha o
processo de enriquecimento pela ultracentrifugação, muito mais econômico e de
implantação mais rápida, mas o sócio holandês da Alemanha no processo, dizem,
que por pressão americana, não permitiu tal transferência. Na ocasião, a
Alemanha dispunha do desenvolvimento de um processo próprio, em nível de
demonstração, e propôs o seu desenvolvimento conjunto no Brasil, através de uma
empresa, a NUCLEI, da qual foi, inclusive, sócia. Dispor de um parque de
usinas, fazendo uso de urânio enriquecido e com um ciclo do combustível sem o
enriquecimento, teria sido um contrassenso.
BLOG: Fato é que gerou um
atraso...
OLGA: Infelizmente, o Acordo não pode ser concluído como o
previsto, pois o país como um todo foi muito fragilizado pela crise e levou
quase duas décadas para se recuperar. Porém, muitas realizações podem ser
elencadas, tendo sido criada uma massa crítica de extrema competência em praticamente
todos os setores da tecnologia nuclear e que acabaram por irrigar vários
Institutos de Pesquisas, empresas de engenharia nacional, bem como a indústria
nacional, com programas de transferência de tecnologia e técnicas de controle e
garantia de qualidade, além da transferência de algumas tecnologias para o
então denominado Programa Paralelo, que conseguiu dominar a tão desejada
tecnologia de enriquecimento pela ultracentrifugação e que hoje está implantada
industrialmente nas instalações da antiga NULEI, junto à atual INB (Indústrias
Nucleares do Brasil). A despeito de lacunas não preenchidas do Acordo, o país,
ainda assim, conseguiu grandes ganhos. Este
é o meu ponto de vista.
BLOG:
Naquela época, o acordo serviu como uma espécie de “libertação” (autonomia) do
Brasil em relação aos Estados Unidos, que venderam Angra 1, mas não quiserem repassar
o combustível, comprado depois da África do Sul. Coma a senhora analisa que o
Brasil fez a compra de Angra 1 sem avaliar esses impactos?
OLGA: A cronologia não foi bem assim, pois os Estados Unidos venderam Angra
1, ainda nos anos de 1970, incluindo o fornecimento do seu combustível,
enriquecido em cerca de 3,5%. O Acordo com a República Federal da Alemanha só
foi assinado depois disso e o Brasil, como mencionado no item anterior, tentou,
primeiramente, um acordo com os Estados Unidos, mas sem sucesso, exatamente por
já dispor de Angra 1, comprada sem transferência de tecnologia, por meio de um
contrato “Turn Key”. Com a assinatura do Acordo alemão, o governo americano que
pressionara, sem êxito, a Alemanha para não assinar, decretou o boicote ao
fornecimento das recargas de Angra 1, que já possuía o núcleo inicial de
fabricação Westinhouse, no Governo Jimmy Carter, em 1978. Para contornar o
enorme problema, foi acordado com a Alemanha a fabricação das recargas de Angra
1, a despeito de ser um combustível um pouco diferente dos alemães e que,
portanto, deveria ser desenvolvido e comissionado, tendo tudo ocorrido com
sucesso e a montagem final das recargas realizas na fábrica de Resende. Mais um
grande fruto do Acordo, na minha opinião.
BLOG: Há um ditado popular
que diz que se aprende com os erros. Quais os principais erros ou equívocos
praticados pelo Brasil na época do acordo com a Alemanha?
OLGA: Eu não classificaria como erros as ações de
então, pois foram problemas eminentemente conjunturais, de origem externa ao
país. Talvez a adoção do racionamento de combustíveis fósseis, desde o primeiro
choque do petróleo, e o início do projeto de prospecção no mar, pela Petrobrás,
tivessem levado a um desfecho menos traumático. No caso do setor nuclear,
talvez, ter paralisado despesas com Angra 3, logo em seguida, e desviado
recursos para Angra 2, bem como de outros projetos ainda no início, mas os
tomadores de decisão, à época, não podiam prever que a crise fosse tão
duradoura e tão profunda.
BLOG: E os acertos?
OLGA: Os acertos foram muitos, como também já descritos na primeira questão,
que se tornou muito longa para que se entendesse a complexidade da problemática
da etapa de enriquecimento isotópico e do por que dos acertos do Programa para
o País.
BLOG: Angra 3 foi comprada pelo acordo Brasil Alemanha e até
hoje, por indefinição política e problemas de corrupção, segundo a operação
Lava Jato (amplamente divulgados) a usina tem 62% de suas obras concluídas, mas
ainda enfrenta muitos entraves, como a falta de recursos. A senhora acha que a
usina deve ser concluída? Por quê?
OLGA: Também, conforme descrito na primeira
questão, Angra 3 foi paralisada por questões financeiras na década de 1980 e só
teve autorização para sua retomada em 2010, com suas obras iniciadas em 2013 e,
novamente, paralisada, em 2015, por questões de corrupção, envolvendo quatro de
seu dirigentes e alguns gerentes de primeiro escalão. Estudos, envolvendo
vários ministérios, empresas, bancos e consultorias, foram concluídos e indicam
a viabilidades da conclusão do empreendimento por diversas razões de caráter
técnico, energético, elétrico, estratégico e econômico-financeiro.
BLOG:
A Eletrobras acaba de aprovar a concessão de Adiantamento para Futuro Aumento
de Capital (AFAC) para a Eletronuclear em 2020 e 2021, nos valores respectivos,
de cerca de R$ 1.052 milhão e R$ 2.447 milhões, destinados a aceleração das
providências para a retomada das obras de construção de Angra 3. Segundo a
Eletrobras, os recursos já estavam previstos nos investimentos estimados no
Plano Diretor de Negócios e Gestão para o período de 2020 e 2024. Qual a sua
avaliação?
OLGA: Os estudos governamentais que balizam a retomada do
empreendimento sugerem o uso de financiamentos da holding Eletrobras para
concluir as atividades anteriores à contratação de empresa de engenharia, construção
e montagem, que deverá acontecer em 2023. Tais financiamentos da Eletrobras já
se encontram aprovados por seu Conselho de Administração, conforme Fato
Relevante publicado em 29 de junho de 2020. Os demais recursos deverão ser
contratados junto a bancos, nacionais ou estrangeiros, ou até mesmo obtidos do
contratado, que poderia ter como garantia parte da receita operacional de Angra
3.
BLOG: Ouvimos a senhora mencionando recentemente sobre as perdas,
caso a obra seja paralisada...
OLGA: A minha opinião pessoal é totalmente
favorável à conclusão dessa planta, não só pelos aspectos mencionados no
parágrafo anterior, mas também por considerar que o abandono do empreendimento
resultaria em desembolsos antecipados, pela Eletronuclear, da ordem de R$ 12
bilhões, relativos a multas contratuais de liquidação antecipada de contratos
de financiamento e de fornecimento de bens e serviços, desmobilização do
canteiro de obras, renúncias fiscais, compensações socioambientais, dentre
outras. O pagamento de tais cifras levaria a Eletronuclear à falência/extinção,
com consequências também de contaminação da Eletrobras, por “cross
default”. A ausência da Eletronuclear do
Programa Nuclear Brasileiro traria reflexos, devido ao seu peso específico e às
suas externalidades, em outros segmentos.
BLOG: Quais?
OLGA: A produção
de 2000 MW, na base do sistema, com o menor custo de despacho térmico,
implicando em um aumento de tarifa com as saídas de Angra 1 e Angra 2; desativação
de grande parte das atividades da CNEN nas atividades de licenciamento e
segurança nuclear; extinção de, praticamente, 95% da demanda da INB, levando à
sua insolvência; diminuição da demanda da Nuclep, com reflexos na sua
rentabilidade/viabilidade; diminuição da demanda do programa de propulsão
naval, diminuindo a competitividade da NUCLEP e da Amazul; grande diminuição na
demanda de serviços, insumos e pesquisas de, praticamente, seis Institutos de
pesquisas da CNEN, bem como de 14 Universidades que desenvolvem atividades
diretamente relacionadas ao setor nuclear. E ainda, grande impacto nas
atividades de salvaguardas, principalmente, no que se refere à ABACC (Agencia
de controle argentina), com graves impactos no atual saudável relacionamento
entre Brasil e Argentina; perda de massa crítica nas atividades de controle e
garantia da qualidade, com possibilidade da inviabilização do Instituto
Brasileiro Qualidade Nuclear e, finalmente, o mais importante na minha opinião;
e perda de credibilidade da opção nuclear, como importante e estratégica fonte
de energia limpa para o futuro da nação.
BLOG: A própria Eletrobras,
em investigação interna, apurou que houve corrupção e desvio de verbas públicas
na gestão de Angra 3, em 2015/2016, quando presidia a Eletronuclear, o
almirante Othon Luiz Pinheiro. A senhora acredita que um empreendimento do
porte e da grandeza de Angra 3 precisaria de uma comissão para acompanhar a
correção da aplicação do dinheiro público? Essa malversação do dinheiro público
pode ter ocorrido por falta de maior fiscalização?
OLGA: As investigações do
Ministério Público levadas ao Judiciário, com o apoio da Eletronuclear,
indicaram a ocorrência de irregularidades/corrupções, desde a autorização da
retomada do empreendimento até o início de 2015. Esse processo vem sendo
conduzido pelas autoridades competentes do Ministério Público e do Judiciário,
com total suporte da Eletronuclear, Eletrobrás e do Ministério de Minas e
Energia. Possivelmente, uma maior fiscalização, talvez, pudesse ter contribuído
para uma melhor e correta aplicação do dinheiro público, mas não devemos nos
esquecer que, à época, a prática de malversação estava passando pela Petrobrás
e, neste contexto, talvez a Eletronuclear parecesse um subproduto que não
levaria quer à curiosidade, nem às investigações em profundidade desde então
realizadas. No entanto, o MP estava atento.
BLOG: Voltando a Angra
3, a pandemia do coronavírus (COVID-19) poderá afetar investimentos na usina? O
Brasil está sendo penalizado no exterior por conta da postura do governo em
relação ao combate ao COVID-19. Como a senhora analisa esse problema?
OLGA:
A pandemia é algo que não estava no
planejamento/previsões de ninguém e de nenhum País no nosso Planeta. Sabemos
que suas consequências serão muito grandes em quase todos os setores, com
perdas e prejuízos, mas não se consegue ainda quantificar sua profundidade e
alcance. No entanto, dois fatores, ainda não quantificados, podem ter impacto
em Angra 3. E são: a diminuição no consumo de eletricidade com reflexos para
todo o setor elétrico, bem como no seu plano de expansão. Entretanto, dados recentes
do Operador Nacional do Sistema (ONS) indicam uma retomada do consumo, a partir
de maio e uma redução da ordem de apenas 5%, contra uma previsão inicial de até
20%. Outro fator seria a forte influência da variação da taxa cambial no orçamento
da conclusão do empreendimento, já que cerca 35% deste são em moeda
estrangeira, notadamente em Euro. Entretanto, a decisão do PPI já leva em
consideração tais fatos.
BLOG: O Brasil domina o ciclo do
combustível desde 1988 e há alguns anos, com tecnologia da Marinha, enriquece
urânio em Rezende, em unidade da Indústria Nucleares do Brasil (INB). Mas uma
parte dessa operação ainda é feita no exterior. Porque permanece dependente
nessa área?
OLGA: A dependência de que parte destes serviços
sejam realizadas no exterior ocorre porque o parque industrial da INB ainda não
dispõe da totalidade das instalações necessárias para cobrir a demanda, mas,
paulatinamente, novas cascatas de enriquecimento estão sendo implantadas para,
no futuro atender toda a demanda, pois o mais importante, a tecnologia, já
dominamos. BLOG: O Brasil planeja construir quatro usinas nucelares
no Nordeste. Comunidades locais rejeitam a ideia. O que a senhora acha disso? O
Nordeste precisa mesmo das usinas? Por quê?
OLGA: O Plano Plurianual
de Expansão 2030 da Eletrobras previa a instalação de até quatro novas usinas
nucleares, além de Angra 3, até aquela data. Estudos realizados pela
Eletronuclear, àquela ocasião, indicavam que as duas regiões candidatas a
receber tais plantas seriam o Nordeste e o Sudeste. O ritmo de crescimento da
demanda àquela ocasião, bem como a paralisação, por questões ambientais, dos
aproveitamentos do rio Tapajós, tornava evidente a necessidade de tais usinas.
BLOG:
Mas setores da sociedade civil têm se manifestado contra...
OLGA: Com
relação à opinião pública da microrregião nordestina candidata a receber tais
usinas, nos dois últimos anos, foram realizadas várias iniciativas de
fornecimento de informações às suas populações, contando com lideranças
políticas de Pernambuco, da Academia de Engenharia, universidades e institutos
de pesquisas, com resultados extremamente promissores, segundo levantamento de
opinião já realizado.
BLOG: Como a senhora analisa a situação
brasileira em relação ao armazenamento do combustível usado e do lixo atômico
produzido nas instalações brasileiras? A Eletronuclear está construindo a UAS
(Unidade de Armazenamento a Seco) que deve ficar pronta em 2021. O que acha do empreendimento. Terá capacidade
para armazenar durante 25 anos. E depois?
OLGA: Em relação ao
armazenamento do combustível usado e dos resíduos de baixa e média atividades,
o protocolo brasileiro está coberto por todas as medidas de proteção e de
segurança, dentro dos padrões internacionais, certificados pela CNEN, bem como
pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A construção de unidades
de armazenamento do combustível irradiado a seco é uma tecnologia muito
eficiente e adotada na maioria dos países que fazem uso da geração núcleo elétrica,
em particular nos EUA, em suas mais de 100 usinas nucleares em operação ou
descomissionadas. Depois de suas vidas úteis este material poderá ser
transportado para grandes depósitos a seco, como também já se faz em diversos
outros locais com segurança.
BLOG: Lixo atômico ainda é um desafio
para o Brasil? Por quê?
OLGA: Os resíduos radioativos de alta intensidade
(combustível nuclear irradiado/usado) costumam ser questionados pelo público
leigo e entidades ditas ambientalistas, devido ao grande tempo requerido para
que deixem de emitir radiações que possam comprometer o ambiente, período este
da ordem de mil anos. As instalações existentes para a sua guarda são feitas em
locais profundos, que disponham de geologia estável e normalmente granítica,
onde podem permanecer, se necessário, por milhares de anos, pois suas
integridades seriam superiores às das grandes pirâmides do Egito, de
longevidade e conservação inferiores. Porém, a construção de tais instalações,
do ponto de vista econômico, só se torna realística, quando se dispõe de grades
quantidades de material e se faz uso do reprocessamento do combustível usado.
BLOG:
O Brasil está atrasado em relação a construção do Reator Multipropósito
Brasileiro (RMB) para a produção de radioisótopos. Até a Argentina está mais
adiantada. Por que estamos tão atrasados e ainda dependem0os da importação?
Faltam recursos ou decisão política?
OLGA: O Brasil já produz parte dos radioisótopos
usados na medicina nuclear, principalmente em diversos Institutos de Pesquisas,
principalmente os da CNEN, e até em alguns poucos hospitais, destacando-se como
a maior produção aquela do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares -
IPEN, porém grande parcela ainda é importada, mas deixará de sê-lo, quando o
RMB, usando um projeto básico argentino, estiver operacional. O RMB está com
seu detalhamento sendo realizado principalmente pela Amazul e está licenciando
suas instalações em uma área próxima a ARAMAR, em Iperó, São Paulo.
BLOG:
O Brasil planeja construir seu primeiro submarino nuclear há 40 anos. O projeto
está sendo desenvolvido pela Amazul e Nuclep. Por falta de verbas, também
caminha em passos lentos. O que a senhora pode dizer sobre isso?
OLGA: O programa do submarino nuclear não está no ritmo planejado
originalmente, mas já apresenta enormes conquistas que podem ser vistas, em sua
plenitude, no Centro Tecnológico da Marinha, em Iperó.
BLOG: Quais?
OLGA:
Todas as etapas sensíveis do ciclo do combustíveis já implantadas e em
operação, com tecnologia própria; o edifício do reator do protótipo em terra e
o edifício da turbina do submarino nuclear em estágios avançados; diversos
laboratórios tecnológicos de suporte em operação; oficinas de várias naturezas,
com processos tecnológicos sofisticados; um grande edifício em condições de
extrema limpeza para procedimentos que requeiram tal ambiente; um simulador do
reator com operadores treinados, dentre outros. Ou seja, todo um conjunto de
maravilhosas realizações que, infelizmente, são quase totalmente desconhecidas
por nossa população. A Amazul, por meio de desenvolvimento de atividades
sensíveis de engenharia e de mão de obra especializada, a Nuclep, por meio da
fabricação de componentes pesados e outras empresas nacionais de engenharia e
institutos de pesquisas fornecem um suporte importante ao projeto, mas o cerne
das atividades sensíveis está em ARAMAR.
BLOG: A senhora acompanha o
desenvolvimento do quadro técnico da energia nuclear? Como está esse perfil
tecnológico de pessoas?
OLGA: O quadro técnico do setor
nuclear brasileiro, juntamente com o da Petrobrás, apresenta uma qualificação
fantástica, em que pese os setores de geração nuclear e seu ciclo do combustível
terem sofrido grandes perdas de pessoal altamente qualificado e treinado no
exterior, devido às décadas de quase paralisação de sua expansão. Atualmente o
setor dispõe de vários Centros de Pesquisas, principalmente os da CNEN, que
também formam mestres e doutores em várias áreas de conhecimento do setor, já
temos dois cursos de graduação em energia nuclear, um no Rio de Janeiro, com
várias turmas formadas, e um em São Paulo que vai iniciar suas atividades já em
2021. Por outro lado, em 2013, foi criada a Amazonas Azul (Amazul), estatal que
tem como principal atribuição deter e desenvolver conhecimentos sensíveis do
setor, tendo, atualmente, uma força de trabalho de mais de 1.800 profissionais
de elevado nível e uma diretoria específica de Gestão do Conhecimento para
gestão estratégica do conhecimento tecnológico do setor.
BLOG: O que acha do
desmembramento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN): execução,
regulação e fiscalização separados?
OLGA: A separação das atividades de regulação,
fiscalização e licenciamento - típicas de uma agência reguladora - daquelas
operacionais e, por isso, também sujeitas às mesmas regulações, fiscalizações e
licenciamentos, é tendência quase mundial e o Brasil já se comprometeu, junto à
AIEA a implementá-la há algum tempo. Propostas de projeto neste sentido já
foram apresentadas, havendo agora uma em elaboração. Os primeiros passos nesta
direção foram dados em 2019, com as retiradas da INB e da NUCLEP do controle
empresarial da CNEN, passando-as para o Ministério de Minas e Energia (MME).
BLOG:
E da privatização da Eletrobras?
OLGA: A privatização da Eletrobras foi
anunciada pelo Ministério da Economia como uma forma de diminuição do déficit
público. Na prática, o que se anuncia não é uma privatização propriamente dita,
mas a venda, no mercado de ações, do seu controle acionário. É uma questão que divide muito os membros do
setor, principalmente agora, no contexto pós pandemia, quando se espera uma
participação mais intensa da União em setores estratégicos.
BLOG: Tudo
está definido neste sentido?
OLGA: Esta venda do controle acionário da
Eletrobras não deveria ser feita sem que se definam as seguintes questões: o
futuro da questão tarifária da Itaipu Binacional, modificando ou não o Anexo C
do Tratado entre o Brasil e o Paraguai, após 2023, quando se encerra o
pagamento de suas dívidas com a Eletrobrás; o valor do seu sistema de
transmissão, face à iminente implantação da tecnologia 5G, para a qual o uso de
tal malha terá um valor hoje não contabilizado e provavelmente muito grande; e
a diluição de custos não apropriados do setor nuclear aos atuais acionistas
privados e minoritários da Eletrobras.
BLOG: E quando a Nuclep?
OLGA:
Não tenho informações sobre as avaliações, mas, pessoalmente, creio que ela é
estratégica para o país e que não seria conveniente vendê-la para um proprietário estrangeiro, mas precisaria
fazer melhor avaliação. Em 1988, quando da extinção da Nuclebrás, pensou-se
em privatizá-la, mas não me recordo dos motivos da não realização.
BLOG:
O que acha da parceria da iniciativa privada nas minas de urânio e em todo o
setor mineral de material radioativo no Brasil?
OLGA: Creio que é uma
forma de viabilizar o melhor aproveitamento de nossas reservas, expandindo a
prospecção e estudos geológicos, que se encontram paralisados desde o início
dos anos de 1980 e contemplam apenas um terço do território nacional. Sei que a
proposta está sendo estudada, inclusive do ponto de vista estratégico, mas
desconheço a sua abrangência.
BLOG:
Como analisa o futuro da energia nuclear no Brasil? Será afetado pela pandemia
do COVID-19? De que forma?
OLGA: Mais cedo ou mais tarde, o Brasil vai
precisar da energia nuclear em praticamente todas as suas formas e aplicações,
inclusive da medicina nuclear. As
consequências da pandemia já foram abordadas na resposta à retomada de Angra 3,
com relação aos riscos. Não podem ainda ser quantificadas em sua profundidade e
abrangência.