O novo coordenador do Centro
Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (Goiânia), da Diretoria de
Pesquisa e Desenvolvimento, da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), é o
pastor Almir Aniceto de Souza Filho, lotado no escritório do órgão, em Brasília.
Almir Aniceto foi nomeado pela ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação,
Luciana Santos, por solicitação do presidente da CNEN, Francisco Rondinelli. Almir
Aniceto substitui o físico Walter Mendes Ferreira, que descobriu o acidente com
uma cápsula de césio-137, em setembro de 1987. O acidente de Goiânia, como
ficou conhecido, deixou quatro mortos e dezenas de contaminados, além de seis
mil toneladas de rejeitos radioativos.
O
Blog buscou informações junto ao MCTI e a CNEN sobre o motivo da exoneração de
Walter e a nomeação de Almir Aniceto. A decisão é “prerrogativa do presidente
da CNEN”, afirmou a Comissão. O Blog
também tentou informações sobre a experiência de Almir Aniceto, capazes de credenciá-lo
para exercer cargo tão relevante, e os seus planos para a o Centro Regional que
demanda monitoramento constante por armazenar os rejeitos do maior acidente radiológico
do mundo. “Com a
transição de gestão, serão analisados os objetivos, metas, desafios e
principais questões a serem enfrentadas no âmbito da unidade”, informou a
Comissão. Também tentou-se entrevistar Almir Aniceto, sem resposta.
No Diário
Oficial da União, no dia 26 de janeiro do ano passado, consta que Almir Aniceto
foi designado pelo MCTI para
exercer a função comissionada executiva de Chefe do Escritório de
Brasília, código FCE 1.02, do Gabinete da Presidência CNEN. Um ano e meio
depois, pela Portaria MCTI No 437, de 10/06/2025, foi designado “a substituir o
coordenador nos afastamentos, impedimentos legais ou regulamentares do titular
e na vacância da função comissionada executiva”. A CNEN finalizou em nota que o
seu compromisso
é “buscar a melhor forma de conduzir a gestão, com foco na eficiência
institucional, no fortalecimento das áreas técnicas e no alinhamento às
diretrizes estratégicas da CNEN”. O físico Walter Mendes Ferreira confirmou sua
exoneração do cargo, mas preferiu não entrar em detalhes. O Blog apurou que ele
poderá permanecer na Comissão exercendo atividades na área de segurança, entre
outras. A exoneração do coordenador causou espanto. Afinal, alguns
especialistas consultados comentaram que é preciso muita experiência para ter êxito
quando o assunto é a administração de um depósito com toneladas de material
radioativo, ações judiciais e um constante relacionamento com o governo e as
comunidades locais.
DESCOBRIU E EVITOU TRAGÉDIA MAIOR
Chamou a atenção mundial o acidente ocorrido com uma cápsula de
césio-137, em Goiânia (GO), que em setembro deste ano completa 38 anos. O BLOG
noticiou com exclusividade no ano passado que o acidente foi descoberto por acaso por
um físico natural de Presidente Prudente, interior de São Paulo, que no dia 29
de setembro daquele ano participava de comemoração familiar na cidade. Aos 29
anos, Walter Mendes Ferreira, na época, trabalhador autônomo, comemorava o
aniversário do pai quando foi acionado por um amigo médico, intrigado com o caso
de duas pessoas internadas na região, com problemas e diagnóstico
desconhecidos; diarreia, dor de cabeça, febre e queda de cabelos. O médico
soube do caso em jantar na semana anterior, com amigos do setor da saúde.
Walter, então, entrou no caso, sem ter a menor ideia do que se tratava. No
mesmo dia, descobriu a origem, o furto do cilindro com o césio-137, no
Instituto de Radioterapia em Goiânia, o local do ferro-velho para onde o
material fora levado, e tudo mais. Uma de suas decisões mais importantes, impediu
que bombeiros levassem o cilindro com o material radioativo para ser atirado no
Rio Capim Puba. Ao mesmo tempo, descobriu que um detector de radiação estava na
unidade da Nuclebras, na região, onde a estatal realizava prospecção de urânio.
As informações estão registradas em relatório da Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA).
HOJE, REPRODUZIDIMOS A ENTREVISTA CONCEDIDA PELO
FISICO NO ANO PASSADO. DEPOIMENTO – EXCLUSIVO -
Físico Walter Mendes Ferreira -
Coordenador do Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro Oeste, Unidade
da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), em Goiás -
“Falo para você
sobre o que ocorreu em Goiânia há 37 anos, um acidente com a violação de uma
fonte de radioterapia com césio 137. Minha história vinculada ao acidente é um
caso interessante. Eu tinha 29 anos. Estava de passagem por Goiânia,
quando fui chamado por um amigo da Vigilância Sanitária para verificar se uma
peça que estava na vigilância sanitária para saber se era radioativa ou não.
Esse amigo me dizia que duas pessoas haviam levado esse material e colocado
sobre uma cadeira na Vigilância Sanitária e que a peça era o artefato que
estava causando mal a toda a família e que algumas pessoas estavam internadas
no hospital de doenças tropicais. O nome dele era Jadson de Araújo Pires,
diretor da fundação estadual do meio ambiente.
Ele me relatou que no final de
semana passado em uma reunião com alguns amigos entre eles um médico do
hospital de doenças tropicais um médico lhe contou que havia onze pessoas
internadas com vômito, febre, diarreia e perda de cabelo e me perguntou se
podia ser radiação. Eu disse a ele que isso acontece com altíssimas doses de
radiação. Eu não acreditava que em Goiás havia material para esse tipo de coisa
e assim foi feito. E ele me disse que ia manter contato com um médico, dr.
Alonso Monteiro e me ligaria relatando o que havia ocorrido e assim foi
feito.
Isso ocorreu no dia 29 de setembro de 1987, por volta das 8h30 da
manhã, quando o Dr. Alonso me ligou dizendo a mesma coisa: que as pessoas
estavam, com vômito, febre e diarreia e ele não conseguia fazer o diagnóstico
sobre de qual doença tropical era. E me perguntou
novamente se podia ser radiação. Eu disse que isso seria um caso
muito sério. E que não havia material em Goiás para isso. E me perguntou se eu
poderia checar uma peça de 23 quilos que estava na vigilância sanitária que
havia sido deixada por uma senhora, a Dona Maria Gabriela e por um dos
catadores que estava com ela.
Eu disse que poderia verificar sobre o material
radiativo, mas, no entanto, necessitaria de um equipamento especifico, um
detector para fazer a medida. Ele me disse então que havia um escritório de
prospecção de urânio em Goiânia da Nuclebras e se ele conseguisse o detector eu
poderia efetuar essa medida. Ele me disse que dois veterinários da
vigilância Sanitária me procurariam para ir até o escritório da Nuclebrás e
assim foi feito. O que ocorreu é que a uns 70 a 80 metros de distância com o
detector ligado casualmente verifiquei que o detector a essa distância já dava
sinal da presença do material radioativo bem acima do back ground. Eu achei que
o detector estava com defeito. Retornamos ao escritório da Nuclebrás e pedimos
ao chefe que me emprestasse um outro detector que estivesse corretamente
calibrado.
Retornei novamente ao local e com o detector ligado no mesmo
ponto ele saturou a medida. Tecnicamente isso significaria que os dois estavam
com defeito ou eu estava num campo de radiação muito intenso. Fiquei com
segunda opção. Nessa segunda vi que havia um caminhão de Bombeiros com três
integrantes que estavam saindo com essa peça envolta num saco plástico que,
segundo um deles, iriam jogar no Rio Capim Puba. Eu disse para eles, deixa esse
material porque acho que é radioativo e eu preciso saber de onde veio esse
material. Por sorte, os dois veterinários haviam anotado os endereços das duas
pessoas que haviam levado o cilindro até o local.
A Dona Maria
Gabriela e o catador de papel do ferro velho, que moravam na parte central da
cidade situado no setor norte. Eu dirigi até o local e me aproximando a um
quarteirão do ferro velho o detector já dava sinal de presença de material
radioativo. Eu fui diretamente ao ferro velho e perguntei a dois cantadores de
papel, de onde havia sido retirado aquele cilindro. E eles informaram terem
retirado o material de uma Clínica na Avenida Paranaíba com a avenida
Tocantins, no instituto de Radiologia. Coincidentemente eu conhecia o Instituto
que era o Instituto Goiano de Radioterapia. E perguntei pra eles se era o
Instituto. Eles disseram exatamente. Perguntei quem havia levado o material
para eles? Nós compramos de dois jovens da Rua 57.
E como eu conhecia os
médicos do hospital, perguntei a um deles o que havia acontecido com a Clínica
e a fonte radiativa de Césio. Fui informado por eles que uma fonte
de cobalto havia sido transferida para um outro local já aprovado pela Comissão
Nacional de Energia Nuclear e havia deixado a fonte de césio 137 no antigo
Instituto. Eu disse que provavelmente a sua fonte foi roubada. Eles disseram
que era impossível. Fomos lá e fizemos uma monitoração e verificamos que não
havia rastro de nenhum material radiativo e que o material havia sido roubado.
Fiz contato com o secretário de saúde, avisei que era gravíssimo e perguntei se
havia algum prospecto sobre a fonte de Césio, que havia sido importada em 1971.
Me perguntaram se eu tinha contato com o pessoal do Comissão Nacional de
energia nuclear. O Dr. José Júlio Rosental, diretor da CNEN foi avisado e foram
tomadas as primeiras providências. No Palácio das Esmeradas, avisamos às
autoridades sobre a situação gravíssima. Foi decidido que todos as pessoas
contaminadas seriam levadas para o antigo estádio olímpico. Voltamos ao ferro
velho e evacuamos o local. Havia ainda um ferro velho dois, que também foi
evacuado. Nesse ferro velho dois morava a menina Leide com a
família. Quase todo o material havia ficado com a própria família. Tudo
estava contaminado. O Dr. Rosental chegou a Goiânia às 00:30 do dia 30 de
setembro de 1987 e a Comissão passou a assumir todas as ações e
responsabilidade pelo acidente.”
MEMÓRIA OFICIAL DO ACIDENTE -
A história que
chocou a opinião pública não pode ser esquecida. Uma cápsula de césio-137 –
substância radioativa componente de um aparelho usado no tratamento de câncer,
de propriedade do Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), foi deixada na antiga
sede do já desativado instituto. De acordo com as notícias da época, no dia 13
de setembro de 1987, os catadores de papel Wagner Motta Pereira e Roberto
Santos Alves entraram no local, retiraram o aparelho, abriram algumas partes e
venderam uma delas, a que continha a cápsula com o césio-137, para Devair Alves
Ferreira, dono de um ferro-velho. Ao arrombar a cápsula, a golpes de marreta,
Devair liberou o césio, um pó brilhante, parecido com purpurina.
A cápsula com
o césio 137 passou de mão em mão, em várias casas de família. Por
fim, foi levada de ônibus à Vigilância Sanitária por Maria Gabriela Ferreira,
mulher de Devair. Ela suspeitou que os problemas de saúde da sua família
tivessem alguma relação com o equipamento. O então presidente da República,
José Sarney, mandou prender os culpados pelo acidente e visitou dez pessoas
contaminadas, internadas no Hospital Geral do Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (Inamps) em Goiânia. O diretor-geral da Polícia
Federal, Romeu Tuma, anunciou a abertura de inquérito.
O presidente da CNEN,
Rex Nazaré, admitiu a necessidade de rever as normas de licenciamento e
fiscalização de instituições de Medicina Nuclear o país. O ferro-velho e as moradias
dos pacientes mais contaminados foram demolidos. O Exército deslocou pessoas
para região. Funcionários da CNEN ainda sem saber a dimensão do acidente,
não tomaram precauções de segurança ao medirem a radiação: usavam calça jeans,
tênis e sapatos. Os médicos Orlando Alves Teixeira, Criseide Castro Dourado e
Carlos Bezzerril, sócios-proprietários do Instituto de Radioterapia; e o
responsável técnico do instituto, físico hospitalar Flamarion Barbosa Coulart,
foram indiciados pela Polícia Federal (PF).
Na CNEN, só houve um indiciado: o
chefe do Departamento de Instalações Nucleares e Materiais Nucleares, físico
José Rosental. Mais tarde, a Procuradora da República solicitou a exclusão
de Rosental do caso e a Justiça acolheu o pedido. Enquanto a CNEN afirmava que
o caso estava sob controle, a cada dia apareciam outros focos de
contaminação. No dia 23 de outubro de 1987 ocorreram as duas primeiras
mortes. A menina Leide das Neves Ferreira, de 6 anos, filha de Ivo Alves
Ferreira e sobrinha de Devair, foi uma das quatro vítimas fatais. Com as mãos
contaminadas, Leide havia comido um pedaço de pão. Ela teve ulcerações na
língua, boca e garganta, e lesões internas. A segunda vítima foi a tia da
menina e mulher de Devair, Maria Gabriela, de 38 anos.
Ambas morreram no
Hospital Naval Marcilio Dias, no Rio de Janeiro, onde foram internadas com
outros contaminados. No dia 27 de outubro daquele ano morreu a terceira
vítima: Israel Batista dos Santos de 22 anos, que trabalhava no ferro-velho e
ajudara Devair a abrir o aparelho. No dia seguinte, morreu o empregado do
ferro-velho Admilson Alves de Souza, de 18 anos. O catador de papel Roberto
Santos Alves, de 21 anos, sobreviveu, mas teve o antebraço amputado por causa
das lesões provocadas pela contaminação. O medo da contaminação levou a uma
atitude violenta os moradores da vizinhança do Cemitério-Parque, em Goiânia,
onde a menina Leide foi sepultada. Eles atiraram pedras e pedaços de cruzes de
concreto contra o cortejo, em protesto pela escolha do local para enterrar as
vítimas da contaminação radioativa.
O presidente da CNEN, Rex Nazaré Alves
culpou os donos da clínica, que não teriam comunicado à Comissão a desativação
do aparelho radiológico. Os donos, por sua vez, culparam os catadores de papel
e a própria CNEN, que deixou de fiscalizar o equipamento na antiga sede do
instituto. Cerca de 112 mil pessoas que temiam estar contaminadas foram
examinadas durante dois meses no Estádio Olímpico de Goiânia. Para atender às
vítimas do acidente, o governo de Goiás criou a Fundação Leide das Neves.
Segundo a médica Maria Paula Curado, que presidiu a Fundação naquela época, 244
pessoas estavam realmente contaminadas e 50 delas tiveram que receber
tratamento hospitalar. Entre as 50 pessoas, 28 tiveram lesões e queimaduras causadas
pela radiação. Desse grupo, 10 pacientes foram submetidos a cirurgias plásticas
reparadoras, das quais oito sofreram síndrome aguda da radiação, depressão da
medula, hemorragias e distúrbios de comportamento. No grupo de pessoas
mais graves, cinco pessoas contraíram câncer e duas estavam em tratamento,
naquela época. “Mas não existe um exame sequer capaz de provar que o câncer foi
provocado pelo acidente”, avisava a médica. Devair morreu em maio de 1994 de
insuficiência renal e hepática, conforme atestado médico.
LIXO RADIOATIVO
- Além de famílias destroçadas e outras que lutam na Justiça para serem
indenizadas, o acidente deixou um grande problema para o futuro: seis mil
toneladas de rejeitos radioativos armazenados no depósito em Goiânia com
atividade radioativa por pelo menos 300 anos. Nesse total, estão 1.343 caixas
metálicas; 4223 tambores de 200 litros; 10 contêineres marítimos; e oito
recipientes de concreto.
FOTO: CNEN – ARQUIVOS –
BLOG - Leia no BLOG, em
16/9/2021: "Acidente com capsula de césio-137 em Goiânia faz 34 anos. Foi
batismo de fogo, deixou mortos, medo e seis mil toneladas de lixo
radioativo”; em 28/09/2021: “Acidente com césio-137 em Goiânia, 34 anos
depois”, por Célio Bermann.
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