Domingo (15/10/2023) faz dois anos da criação da
Autoridade Nacional de Segurança Nuclear – ANSN, por cisão da Comissão Nacional
de Energia Nuclear - CNEN, um dos maiores desafios institucionais e
organizacionais do Programa Nuclear Brasileiro dos últimos anos.
A Medida Provisória que criou a ANSN, MP 1049 de
17 de maio de 2021, foi posteriormente convertida na Lei 14222/2021, de 15 de
outubro de 2021. Completando, portanto, no próximo dia 15 de outubro, dois anos
de seu sancionamento. A ANSN nasceu claudicante e parece ter sido rejeitada,
conforme fontes comentaram ao blog, que realizou diversas consultas à
especialistas da área nuclear sobre o tema. Segundo eles, buscam-se até o
momento as razões pelas quais o órgão ainda não entrou em funcionamento, apesar
de determinação do Congresso Nacional manifestada na conversão da MP 1049/21 na
Lei 14222/21, de criação do órgão. O que falta para que a Autoridade saia do
papel?
Falta o governo encaminhar o nome
do diretor presidente ao Senado para que seja sabatinado. E o nome indicado
teria que passar pelo crivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Um dispositivo no decreto 11.142/2022, que aprova
a estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão e das funções
de confiança da ANSN, prevê que este decreto somente entraria em vigor na data
da nomeação do Diretor-Presidente da ANSN. E, de acordo com o artigo 41 da lei
de criação da ANSN (14222/2021), a lei somente produzirá efeitos na data de
entrada em vigor do decreto que aprovar a estrutura regimental da ANSN
(...).
A convivência, em um mesmo órgão, das atribuições de regulação, promoção
e operação começou a ser questionada mundialmente na década de 70. Nos EUA, a
discussão culminou na criação da Nuclear Regulatory Commission – NRC,
organização dedicada exclusivamente à área regulatória. Na Argentina, a criação
de um regulador independente ocorreu na década de 90.
A necessidade de se criar
no Brasil um órgão regulador nuclear completamente independente, administrativa
e tecnicamente, foi identificada há mais de 35 anos, quando em um relatório do
Senado Federal surgiu a constatação de que havia um conflito de interesses pelo
fato de a Comissão Nacional de Energia Nuclear exercer ao mesmo tempo
atividades de fomento à energia nuclear, operando reatores e outras instalações
nucleares que ela mesma licenciava. Na mesma época, a Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA) estabeleceu a Convenção de Segurança Nuclear, da qual o
Brasil é signatário – com ratificação pelo Congresso Nacional por meio do
Decreto nº 2.648/1998 – onde se lê que as atividades regulatórias devem estar
segregadas das atividades de promoção.
EFEITOS NOCIVOS -
No país que foi palco do maior acidente
radiológico do mundo, o acidente de Goiânia, caberá à ANSN zelar pela segurança
nuclear, tarefa que implica licenciar e fiscalizar instalações e atividades,
para proteção dos trabalhadores, da população e do meio ambiente, contra os
efeitos nocivos da radiação. Sua vigilância será fundamental para que tais
acidentes não voltem a ocorrer.
A Lei 14222/2021, de criação da ANSN, confere
ao órgão uma extrema capacidade de exercer as suas atividades de maneira rigorosa
e eficiente: prevê o estabelecimento de um sistema sancionatório que inclui
suspensão das autorizações para operação, perdimento de equipamentos/fontes
radioativas, interdição de ambientes e até a aplicação de multas pecuniárias,
ferramenta inexistente no arcabouço legislativo relacionado à área nuclear até
então. Segundo especialistas, é fundamental ressaltar o aspecto disciplinador e educador das sanções,
inibindo o cometimento de novas infringências por parte dos operadores.
CAPACIDADE DE APLICAR SANÇÕES
Dois
eventos ocorridos recentemente, um vazamento de água com material radioativo na
usina nuclear de Angra 1, denunciado pelo O GLOBO, e o desaparecimento de duas
cápsulas contendo gás hexafluoreto de urânio enriquecido (UF6), pelo BLOG, demonstraram,
de maneira inequívoca, que a capacidade sancionatória atual do regulador
nuclear legalmente constituído (CNEN) de aplicar sanções resume-se a
admoestações, advertências ou cobranças por melhorias.
Enquanto a ANSN não
inicia as suas operações, não é possível discutir nenhuma melhoria na estrutura
regulatória nuclear do país; sequer é possível se discutir a reposição de
recursos humanos. Pois a realização de concurso público pela CNEN, um órgão que
está se cindindo, implicaria em futuros problemas na discussão sobre a divisão
de servidores recém-admitidos. A despeito disso, a imprensa, incluindo o blog, noticiaram
recentemente a precariedade da situação da falta de fiscais na área nuclear do
país.
FALTAM SERVIDORES
O próprio relatório de gestão da CNEN relativo ao ano de 2022, que o Blog
teve acesso, ilustra uma redução de 30% no quadro de servidores, nos últimos
seis anos.
No documento, o atual
presidente da CNEN, Francisco Rondinelli, menciona que na área de RH, é mandatório
citar o problema da perda de servidores por aposentadoria, sem que tenha havido
reposição nos últimos nove anos. A CNEN hoje, tem mais cargos vagos do que
ocupados e, dentre os servidores efetivos, 49% já em condições de se aposentar.
Esse problema afeta toda a área pública federal, mas se reveste ainda de maior
criticidade em uma instituição na qual o maior patrimônio é o conhecimento, que
precisa ser passado à geração que chega, e na qual o processo de perda se
acelera, conforme demonstra o gráfico abaixo.
RISCO DE ACIDENTES
Sem fazer referência nenhuma,
no entanto, ao risco de acidentes nucleares e radiológicos que decorrem da
perda de capacidade de fiscalização e controle de materiais radioativos no
país. A propósito, em junho deste ano, uma mineradora de Minas Gerais informou
à CNEN o furto de dois equipamentos que continham fontes de césio-137
incorporadas, outra denúncia exclusiva do blog. Os equipamentos foram
localizados dias depois, em uma empresa que revende sucatas em São Paulo.
O
desfecho do caso da Autoridade provavelmente dependerá de ações que os órgãos
de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU), colocaram em curso, para
procurar identificar as razões para a não implementação de uma lei que completa
dois anos neste mês. Com desafios ambiciosos, cedo ou tarde o Programa Nuclear
Brasileiro terá o seu destino determinado pela incapacidade de o Brasil em
cumprir as suas próprias leis.
FOTO: Inspeção de material radioativo em unidade
médica no Rio de Janeiro.
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